Há livros que
durante décadas dormitam na sua estante até que um belo dia você cria coragem e
os lê. Pensar por conta própria do padre Enrique Monasterio foi um deles
até ontem a noite quando o terminei. Publicado por volta de 2000, ficou parado
20 anos nos meus armários, até que neste contexto de isolamento social chegou a
vez dele de ser lido. Boa parte dos contos e reflexões do livro foram escritos
na década de 90 do séc. XX e acabam soando antigas, como quando ele cita fitas
cassete e velhos programas de TV, mas no geral mantém ainda atualidade nos
assuntos que aborda.
A tese central
do livro e que dá origem ao título é a de que no nosso tempo não se pensa mais
livre e individualmente, como a atividade intelectual leva a concluir, mas a
adotar umas duas ou três “filosofias de vida”, mesmo que essas novas filosofias
sejam incoerentes entre si. A intenção de Monasterio não era escrever um
tratado de moral, embora a moral cristã atravesse todas as suas reflexões muito
bem humoradas, como logo perceberemos.
Por exemplo,
quando ele comenta que: “O hedonismo – o selvagem e o refinado – é o último e o
mais lamentável estágio do materialismo”[1].
Quando você lê essa afirmação sabendo que o autor é um sacerdote já espera algo
como um sermão condenando o materialismo, etc... Pelo contrário, ele lembra uma
conversa com um ex-colega de faculdade que disse:
“_Passei
diretamente do marxismo para a gastronomia”.
“Riu
de sua própria piada, fez uma pausa e continuou:”
“_Onde
estava você em maio de 68? Eu estava aqui mesmo, mas era como se estivesse em
Paris. Foi lá que tudo começou a afundar-se. Os velhos ideais comunistas já não
serviam. Embora o muro [de Berlim] continuasse de pé, percebia-se claramente
que por trás não havia nada: apenas meio século de mentiras”.
“_Nem
poderia ser de outra forma – interrompi-o -, o marxismo...”.
“_Olhe,
você não precisa convencer-me de coisa alguma. (Fez um gesto com a mão, como
para afastar da mente um pesadelo). O marxismo era um monte de lixo... Que
descanse em paz. Mas nós, que militávamos no Partido, queríamos fazer alguma
coisa pelo povo, mesmo à custa de sacrifícios. Sonhávamos de verdade com uma
sociedade igualitária e democrática. Maio de 68 foi a última revolução. Urgia enterrar
os velhos sonhos e gozar a vida. Alguns descobriram o sexo. Agora, com o passar
do tempo, só me resta a gastronomia”[2].
Após o anarco-libertarismo
sexual da revolta estudantil dos anos 1960 o que ficou foi o materialismo mais
aburguesado. Penso que em 2020 esse alerta ainda nos sirva.
Páginas adiante
Monasterio nos alerta que esse desencanto com as utopias acaba desaguando no
pessimismo aberto. Discordando da máxima que diz que a esperança é a última
que morre, ele nos apresenta o quadro atual do pessimismo:
“Existe
um pessimismo planetário (...). A camada de ozônio, o aquecimento
global, as espécies em extinção, as calotas polares que se estão derretendo, a
bomba demográfica (que vai encher de crianças – negras – o planeta), a Aids
(que exterminará todas essas crianças), a poluição das águas, as mudanças
climáticas, a escassez de alimentos, as manchas de petróleo, a vaca louca, a
falta de filhos, o excesso de avós... (...)”.
“Existe
um pessimismo na humanidade e nas estruturas humanas: a corrupção
galopante, os partidos putrefatos, a voracidade dos bancos, a estupidez dos
sindicatos, a negligência dos funcionários, as mentiras da imprensa, o
negativismo dos jovens, o cinismo dos velhos, os testes nucleares, a direita
que vem, a esquerda que não se vai, as seitas que nos invadem, as tribos
urbanas...”. (...).
“Há
um pessimismo pessoal, uma crise de ambição, que atinge os mais jovens. A
culpa não é toda deles: fomos nós que lhes cortamos as asas. Do modo como estão
as coisas, quase ninguém se atreve a sonhar alto. A Universidade está cheia de
aspirantes a médicos que se conformariam com ser extirpadores de furúnculos
pelo SUS; de prêmios Nobel em potencial que dariam qualquer coisa para garantir
um lugar como ajudantes de laboratório...”.
“Porém,
há principalmente um pessimismo quase metafísico que considera irreversíveis
essas previsões. Por definição, nada tem solução”. (...).
“Daí
que nossa sociedade seja tão conservadora, no sentido mais profundo da palavra.
Poucos acreditam numa mudança. Refiro-me, evidentemente, à mudança pessoal, à
conversão, à possibilidade de nos tornarmos diferentes, de aspirar ao mais alto...
A outra mudança, aquela que os políticos prometem, é apenas uma mudança
de paisagem para que tudo continue na mesma”[3].
A consequência dessa
cultura do pessimismo é a desilusão com a vida que leva os jovens a caírem na
droga, e para anestesiarem o pessimismo que já os dominou por completo, vão se
valendo de drogas cada vez mais pesadas. Para evitar não morrer de overdose e/ou
pessimismo o homem moderno encontra um sucedâneo nas ideologias ou linhas de
pensamento dominantes. Aqui você poderia dar o nome contemporâneo que quiser: politicamente
correto, globalismo, nova ordem mundial, marxismo cultural, etc. e tal. Nas
definições do nosso autor:
“(...)
‘a ideologia é um todo, que se deve aceitar e assumir em nível de militância na
sua integridade programática, no marco da luta solidaria por uma libertação
integral – e de classe – do biótipo humano’. O que, traduzido em bom português,
significa:”.
“_Olhe,
Celidônio: é pegar ou largar. As ideias se vendem em lotes. É que estão em
oferta, sabia?”[4].
A consequência final
desse deixar que outros pensem por você é que se tentar remar contra a corrente
as consequências podem ser drásticas:
“(...)
ser respondão e tratar de pensar por conta própria é uma decisão arriscada. Num
instante afixam-lhe uma etiqueta de grosseiro, conservador, covarde e
provavelmente fascista, adjetivo de muito efeito, que ninguém mais sabe o que
significa e provavelmente equivale a ‘mau’ ou ‘feio’”[5].
Conclusão
Antes de mais
nada, queria dizer que amei a leitura desse livro, mesmo que tenha demorado
vinte anos pra finalmente terminá-lo! A distância de 20 anos de sua publicação não
o envelheceu por completo. Pelo contrário, noto que muitos dos assuntos que em
2000 ele apenas esboçou hoje se tornaram realidade.
Outro ponto
importante a destacar é o alerta de Monasterio sobre o risco que implica a cada
um de ir contra a corrente de pensamento dominante, especialmente se a corrente
da moda investe contra a moral e a valores inegociáveis do cristianismo como a
vida humana do momento de sua concepção até o seu término natural.
Livros como Pensar
por conta própria são cada dia mais essenciais.
[1] MONASTERIO, Enrique. Pensar por conta própria. Trad.: Élcio de
Oliveira Lima. São Paulo: Quadrante, 2000, p. 74.
[5] Op. cit., p. 167