segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Dois Pequenos Passos na Areia Molhada

Dois Pequenos Passos na Areia Molhada

Há muitos anos um padre muito amigo meu me alertou que quando a gente só lê um tipo de livro corremos o risco de ficarmos bitolados e chatos. Esse é o risco que caras como eu correm quando só leem livros de história e/ou de religião. Nesses tempos em que boa parte do meu escasso tempo livre é dedicado a dormir, ler, escrever e a (retomar) gravar vídeos, esse risco de ficar monotemático é real. Sendo assim, entendo como um acaso feliz minha afilhada ter me emprestado Dois pequenos passos na areia molhada. Eu já havia lido livros sobre relatos pessoais de pessoas que atravessavam momentos ruins na vida, mas admito que este aqui supera os demais nos quesitos dramaticidade e identificação pessoal.

Julliand é a mãe da pequena Thais e de Gaspard. Bem casada com um marido jovem e amoroso, Loic, com um padrão de vida bom, parecia que nada poderia abalar a felicidade dessa família. Mas um dia de lazer na praia trouxe uma preocupação: a pequena caminha entortando os pés. Após exaustivos exames e consultas clínicas o diagnóstico de uma rara e fatal doença degenerativa.
O livro a partir daí descreve a longa e cansativa saga da família em busca de um tratamento para a menina e sua irmã - que nasce durante o tratamento e posteriormente é diagnosticada com a mesma doença.
O mérito de Julliand é nos colocar dentro do drama familiar em que repentinamente eles estão imersos. As descrições dos procedimentos médicos e cirúrgicos, o relacionamento com cuidadores, médicos, enfermeiros, parentes e amigos é realista ao extremo. Posso mensurar isso por mim mesmo, pois quando minha mãe fraturou a coluna dois anos atrás os mesmos dilemas, cansaços, raivas, medos e desalentos ameaçaram me derrubar. Aliás, Julliand e sua família souberam enfrentar o que os psiquiatras contemporâneos chamam de "Síndrome de Burnout", esse mal do homem moderno esmagado pela sua ânsia em mostrar produtividade além de suas capacidades humanas e psíquicas.
No caso de Julliand, após diversas "quedas e quebras" psíquicas, ela mesma admite que decide viver um dia de cada vez e não querer antecipar preocupações e problemas, ou seja, o ditado "não deixe para amanhã o que pode fazer hoje" somente vale para quem não tem que cuidar de parentes doentes. Para nós que extraímos forças de onde não tínhamos para acudir uma filha - ou a mãe idosa, como no meu caso! - vale uma nova frase: "deixe para amanhã o que NÃO PRECISA SER FEITO HOJE!". Acredite: isso ajudou Julliand, e a mim!
Outro ponto precioso do livro é a união familiar. Julliand é uma mulher forte, mas quando tudo parecia desabar o ombro sereno e forte de seu marido era um porto seguro onde ela repousava e buscava novas energias. Loic quase não fala no livro, mas sua presença é fundamental como o homem da casa, a rocha onde todos sabem que podem contar nas horas ruins. Aqui Julliand deixa um sutil recado a feministas e "homens feministos" de todos os quadrantes ao mostrar que homem de verdade é aquele que não abandona a companheira e a família nos momentos ruins, muito menos se impõe exibindo uma sexualidade vulgar, que na realidade não tem nada a ver.
Por fim, outro lembrete do livro é a questão da morte. Outro amigo meu certa vez me disse que a maior dor de um pai é enterrar o próprio filho, e Julliand nos lembra disso. A cada dia que passa o dia da morte e despedida da pequena Thais se aproximava e ela como mãe tentou se preparar para esse dia da melhor forma possível, mas como mãe não há forma de tornar essa vigília menos dolorosa. A aceitação da morte da filha por Julliand não é o conformismo pessimista dos existencialistas ateus franceses (Sartre, Camus) para quem a vida era uma náusea, uma inutilidade, "um comer e copular incessante" (A peste de Albert Camus) que termina no pessimismo. Para Julliand a morte tem um significado em nos sabermos criaturas espirituais citadas por um Deus que é o Supremo Bem.
Aliás, essas dimensão espiritual fica oculta no livro, mas está sutilmente presente. Julliand e o marido possuíam um "diretor espiritual", um padre amigo, mas ele é apenas citado rapidamente. Aqui creio que a autora optou por realizar uma omissão intencional e centrar toda a narrativa no drama enfrentado entre mãe e filhas doentes.
De qualquer modo, trata-se de um livro muito belo que merece ser lido por todos, absolutamente todos, pois a vida é o maior dom que recebemos de graça!

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

AINDA SOBRE EVANGELIZAÇÃO/O CASO PE. DOMINGOS CHOHACHI NAKAMURA


Dias atrás contei a vocês sobre a história da catequista/irmã terciária agostiniana/catequista Santa Madalena de Nagasaki.
Completando as reflexões sobre evangelização dos povos, queria falar um pouco sobre o pe. Domingo Chohachi Nakamura (+1940).
Em fins do séc. XIX o Japão havia se aberto ao comércio com os povos ocidentais, e, como já havia contato no post anterior (Cf.: https://teologiadahistoriabrasil.blogspot.com/2019/10/santa-madalena-de-nagasaki-as-licoes.html), isso também acarretou a entrada de missionários cristãos no arquipélago, evangelização essa que havia sido interrompida no séc. XVII.
Nesse contexto o jovem Nakamura se converte, é batizado e se ordena padre, atuando junto aos "cristãos ocultos" nas Ilhas Goto, um arquipélago isolado onde, após as perseguições do séc. XVII, muitos cristãos se esconderam. E lá o Pe. Nakamura seguiu evangelizando com muito empenho e esforço. 

Aos 58 anos de idade, em uma altura da vida onde muitos com razão já pensam na aposentadoria, o bispo local procurava voluntários para iniciar o trabalho de atendimento espiritual aos imigrantes japoneses que desde 1908 emigravam em levas ao Brasil, mais especificamente ao interior do Estado de São Paulo, mas também norte do Paraná, sul de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. 
Sem pestanejar, Pe. Nakamura seguiu para o Brasil. 
No interior paulista da década de 1920 as distâncias eram imensas: entre uma fazenda e outra dezenas de quilômetros que Pe. Nakamura percorreu a pé, ou de vez em quando, o lombo de uma mula e carregando duas pesadas valises. Uma delas com seus paramentos, hóstias, breviário; e a outra com o altar portátil, os cálices, sanguíneos e demais apetrechos para celebrar missa. Eram os tempos da missa em latim de rito tridentino, logo, a bagagem do Pe. Nakamura era bem pesada!
E lá ia ele. Onde havia japoneses ele ia atrás: pregando, batizando, casando e enterrando, quase sempre em japonês. E não apenas os “cristãos ocultos” que haviam emigrado ao Brasil, mas qualquer um com boa disposição no coração, fossem budistas[1], xintoístas[2] ou simples caboclos das redondezas que viviam sem padre: ele os atendia e os ouvia, quando, onde e como fosse. Antes de ser japonês e padre ele era um discípulo de Jesus Cristo e tinha plena consciência de que haviam muitas ovelhas que não eram do seu aprisco – os imigrantes – mas ele atendia qualquer um.
De um paroquiano recém convertido ele certa vez ouviu: “ser cristão é viver o verdadeiro espírito de Yamato!”. Yamato era o antigo nome do Japão. Com o tempo passou a denominar uma província densamente arborizada, onde se dizia, as almas iam morar após a morte. Yamato, de um modo mais genérico, pode também significar tudo o que se refere ao “ser japonês”: sua língua, cultura, costumes. Daí a fala do recém-batizado poder ser entendida como uma forma de “inculturação” da cultura japonesa ao evangelho. Ser japonês e cristão é ser plenamente nipônico. Os conceitos de fidelidade ao senhor ou ao superior, transferidas ao Deus Supremo, a obediência aos mandamentos, tudo isso foi transferido ao cristianismo dos japoneses no Brasil.
E assim ele seguiu trabalhando no Brasil até chegar aos 85 anos, quando a idade e o esforço pesaram. Emagrecido e acamado, perguntou pateticamente: “onde foram parar as carnes das minhas pernas?”. Morreu em odor de santidade.
Seus antigos seguidores, anos depois e em sua homenagem, fundaram a PANIB, Pastoral Nipo-Brasileira, que segue suas atividades até os dias atuais.
Quanto a figura do próprio pe. Nakamura, hoje há todo um esforço em abrir seu processo de beatificação. Rezemos para que este verdadeiro missionário seja um dia elevado aos altares! Que assim seja! 

Que Deus todo poderoso suscite vocações missionárias como as do Pe. Nakamura, na Amazônia, no Brasil e pelo mundo todo.
Amém!!!
(Abaixo segue a oração pedindo a intercessão do Pe. Nakamura).




[1] Sidarta Gautama, ou simplesmente Buda, viveu no séc. V antes de Cristo. Fundador do budismo, muito numeroso em fiéis na Ásia.
[2] O Xintoísmo poderia ser definido como culto aos antepassados. No Japão ganhou uma roupagem religiosa, tornando-se a segunda maior religião do Japão, atrás apenas do budismo.

domingo, 20 de outubro de 2019

SANTA MADALENA DE NAGASAKI: as lições que devemos tirar – e seguir!


Estava eu na paróquia de NSA da Saúde aqui do lado de onde moro quando ouvi frei Benjamim, o celebrante da missa das 10:00hs da manhã, chamando a atenção de todos para uma pequena imagem que se encontrava perto do altar. Como eu tenho o costume de me sentar longe não percebi muito bem os detalhes, mas logo o frei nos avisou que se tratava de santa Madalena de Nagasaki (1611-1634), padroeira da Fraternidade Secular Agostiniana Recoleta e mártir japonesa. Mas, quem foi essa santa?
Para responder satisfatoriamente a essa pergunta, remeto o leitor a seguinte página na internet: http://arquisp.org.br/liturgia/santo-do-dia/santa-madalena-de-nagasaki , onde a vida dela aparece com mais detalhes. Aqui pretendo me fixar em apenas alguns aspectos de sua vida que me vieram a mente e podem nos ajudar a entender e a agir neste momento crucial da história.


Em começos do séc. XVI um navio português jogado por uma tempestade atracou no Japão. Com a consequente abertura ao comércio vieram os missionários. Aqui o pioneirismo coube a São Francisco Xavier (1506-1552), que plantou as sementes da evangelização.
Mas a situação política japonesa logo iria atrapalhar os planos dos evangelizadores: na época o Japão buscava superar o século anterior de Guerras Civis (sécs. XV-XVI) e uma série de governantes do período unificou o país: Oda Nobunaga (1534-1582), Toyotomi Hideyoshi (1537-1598), e o primeiro Xogum, Tokugawa Ieyasu (1543-1616).
Esses homens eram todos samurais e não viam com bons olhos a evangelização dos cristãos. A tolerância relativa, que ainda existia até fins do séc. XVI, logo cederia lugar a perseguição mais ou menos aberta com o cristianismo sendo visto como “religião dos bárbaros do ocidente”. A proibição de entrada de missionários e a perseguição aos cristãos (kirishitan) provocou a formação de um cristianismo essencialmente laical no arquipélago, em especial na região de Nagasaki.


Aqui se contextualiza a vida de Santa Madalena de Nagasaki. Catequista, apoiava a ação clandestina de padres missionários e levava conforto material e espiritual aos cristãos que se abrigavam nas montanhas ao redor.
Os martírios de cristãos eram executados com requintes de crueldade: enfiar espetos debaixo das unhas e obrigar os supliciados a escavar a terra; mergulhar o prisioneiro de cabeça pra baixo em fossas sépticas (fossas sanitárias); cozinhar vivos os cristãos em termas naturais. O saldo final: morreram tantos mártires no Japão quanto nos períodos de perseguição no Império Romano.
Santa Madalena de Nagasaki foi martirizada no ano de 1634 – ela contava com apenas 23 anos de idade, mas seu exemplo e o de outros inspirou os cristãos a resistirem. De boca em boca, no escondido das cabanas se dizia que um dia os padres voltariam, e para saber se não estariam diante de impostores eles deveriam procurar três sinais:
a)      O padre não deveria ter esposa;
b)      O padre deveria ser devoto de Maria Santíssima, Mãe do Céu;
c)      O padre deveria ser fiel ao Papa de Roma.
Nascia uma Igreja cristã leiga clandestina: os Kakure Kirishitan 隠れキリシタン (cristão escondido). Cedo as autoridades japonesas se deram conta que não seria fácil dobrar os cristãos japoneses e além da tortura, exílio e execução procurou-se, através de cerimônias blasfemas fazer os cristãos renegarem sua fé: o fumiê, que consistia em obrigar o acusado de cristianismo a pisar ou despejar seus excrementos sobre uma imagem de Jesus e/ou Maria Santíssima. Quem se negasse a fazê-lo era torturado e morto[1]. O cristianismo japonês só voltaria a “ter padre” em fins do séc. XIX com a reabertura do Japão ao ocidente e o final do xogunato Tokugawa.
Mas isso não significou o fim das dores: mesmo sob o governo do Imperador Meiji – pró-ocidente e aberto a modernização do país - houve novas perseguições. Por fim a explosão e destruição da catedral de Nagasaki pela bomba atômica em 09 de agosto de 1945 forçou a secular comunidade de Nagasaki a mais uma vez se reerguer das cinzas.


Hoje o cristianismo representa menos de 10% da população japonesa, sendo que apenas 3% se reconhecem católicos. Ou seja, o Japão moderno ainda é terra de missão.
Mas... e o que isso tem a ver conosco aqui no ocidente?
Ora, simplesmente tudo!
Quando se discute a maciça falta de padres na Amazônia, o exemplo dos cristãos ocultos que mantiveram sua fé por 250 anos seguidos nos ensina que capacitar os leigos para serem transmissores da fé é um meio útil, prático e seguro. E a vida de Santa Madalena de Nagasaki nos ensina que o melhor pregador num contexto de total ausência de padres é a santidade de vida, o amor à Igreja e aos sacramentos (ou mesmo a falta deles).
Esta, meus amigos, é a hora dos leigos. Não somos longa manus (mãos longas) dos sacerdotes, apêndices ou fiéis de segunda categoria, mas membros ativos da Igreja de Cristo, com o mesmo múnus de pregar, santificar e ensinar. Essa doutrina, ratificada pelo Concílio Vaticano II como “sacerdócio” dos fiéis leigos é a saída para que, de uma igreja esmagadoramente laical, surjam enfim vocações religiosas para pular o “muro sacramental” que a falta de padres provoca[2] nas comunidades.

Pensemos em tudo isso!!!!![3]
Boa noite e tenham todos uma excelente semana!!!!!!!
Santa Madalena de Nagasaki, rogai por nós, pelo Papa Francisco, pelos padres-sinodais e por toda a Igreja de Cristo!!!!!!!!

Edison Minami.



[1] Essa cena, chocante para um católico, foi magistralmente descrita em uma das aventuras do Lobo Solitário, mangá famoso dos anos 1970, já publicada no Brasil pela editora Panini Comics.
[2] A expressão “muro sacramental” era usada por São Josemaría Escrivá para explicar que, mesmo na Prelazia Pessoal do Opus Dei onde se cultiva a santificação dos fiéis leigos no meio do mundo através de suas atividades cotidianas, a recepção dos sacramentos depende da existência de padres e bispos.
[3] Para saber mais, recomendo: John Whitney-Hall. História universal, vol. 20: o Império Japonês. Ed. Siglo Veinteuno, México-DF, 1973; José Miguel Cejas. Os crisântemos em flor. Quadrante, 2019; Paul Glinn. Um hino a Nagasaki. Loyola, 1992.

sábado, 12 de outubro de 2019

Faleceu esta madrugada o prof. Ivanaldo Santos devido a um acidente automobilístico.
Filósofo e intelectual de primeira linha, possuía uma vasta produção acadêmica. Dentre suas muitas obras destaco essa que aparece anexada aqui, sobre a Teologia da Libertação e seus desdobramentos.
Cristão católico, soube harmonizar sua fé com o saber acadêmico. Desde que o conhecemos através do Instituto Jacques Maritain sempre nos incentivou a perseverar na produção e reflexão intelectual, e eu sempre respondia que, devido aos muitos afazeres pessoais e familiares não podia dedicar o tempo e o esforço necessários. Que Deus o acolha em sua glória, e que Nossa Senhora Aparecida o acolha sob seu manto protetor!!!!!!!

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Impressões sobre o Sínodo

Desde o dia 06/10/2019 está se realizando em Roma o Sínodo Pan-Amazônico. Se você é cristão e acompanha minimamente as notícias, creio que já está saturado de notícias e análises do sínodo e possivelmente não quer ler mais uma. Acredite: eu te entendo!
Queria apenas deixar aqui registrados alguns fragmentos de pensamentos que me vieram à cabeça desde o domingo, e como é lógico refletem a minha opinião pessoal. Se a leitura não o agradar, peço encarecidamente que não termine excomungando o papa, bispos e quem não pensa como você, ok?

PAPA FRANCISCO E O SÍNODO: HERESIA, HERESIA...?
Essas palavras vieram á público desde que o sínodo foi anunciado em 2018, e mesmo antes. Tenho conversado com alguns amigos cristãos e o sentimento é o mesmo: estamos chegando no fundo do poço. A parusia (a segunda vinda de Jesus Cristo) só pode estar perto. Por todos os lados vemos defecções, traições á doutrina e a palavra de Jesus Cristo. Parece até que seu aviso: "Quando o Filho do Homem vier encontrará fé sobre a terra?" está se realizando na sua plena crueza.
Aqui penso que devo fazer alguns esclarecimentos.
Não sou ingênuo de pensar que a coisa não está ruim. Ela está sim. Os debates no sínodo demonstram isso. Fica no ar uma leitura liberal - em certos momentos excessivamente liberal! - da doutrina cristã.
Sobre o Sínodo, eu lia esta tarde um artigo no portal de notícias Aceprensa: (https://www.aceprensa.com/articles/amazonia-evangelizar-no-discutir-el-celibato/) onde o entrevistado, um dos "padres sinodais" (nome dado aos participantes do sínodo) lembrava que mais que flexibilizar a figura do padre com ordenações de padres casados e mulheres pregando, devíamos repensar como um todo a evangelização dos povos amazônicos, que afinal de contas ainda são povos de missão. O entrevistado vai mais além e diz:
"Pe. Lasarte questionou a razão subjacente que geralmente é dada para ordenar padres não celibatários: suprir a escassez de ministros. Na sua opinião, "a abordagem do problema nesses termos sofre um enorme clericalismo". É concebida "uma Igreja com pouca ou nenhuma proeminência e senso de pertencer aos leigos". Por isso, ele disse: "Tenho a impressão de que você deseja clericalizar os leigos", quando a prioridade é alcançar "uma Igreja de protagonistas, discípulos e missionários batizados". (Grifo meu).
"Por outro lado, "uma visão" funcional "do ministério que não revitaliza toda a comunidade cristã como protagonista da evangelização, mesmo que tenha ordenado pessoas casadas, não resolverá o problema: o compromisso batismal cristão permanecerá o mesmo".
(Amazonia: evangelizar, no discutir el celibato", Portal Aceprensa, 02/10/2019).
A leitura desta entrevista me ajudou muito a entender um dos vários problemas do Sínodo: a metodologia, ou melhor dizendo: como e porque evangelizar?

INCULTURAÇÃO, INTERCULTURALIDADE, ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO... MAIS HERESIAS????
Aqui entramos mais a fundo em uma discussão que certamente escapa ao entendimento da maioria dos católicos brasileiros: as estratégias de evangelização que capacitam os missionários que atuam na Amazônia. Nos anos 2002-2005 eu havia estudado a fundo a temática da Inculturação do Evangelho, termo que vem aparecendo frequentemente nos debates sinodais.
Resumindo muito rapidamente, poderíamos dizer inculturação é o esforço em adaptar a mensagem cristã às diferentes culturas, à luz dos conhecimentos adquiridos das ciências humanas, em especial a sociologia e a antropologia. A Inculturação deveria alertar os missionários a se equipar para compreender melhor as culturas, e não violentá-las nem destruí-las, em contraponto às missões realizadas nos sécs. XVI-XVII nas Américas e a dos sécs. XIX-XX na Ásia e África.
Admito que esses esforços intelectuais em produzir uma missão cristã renovada por parte de bispos, cardeais, teólogos e especialistas da época não respondiam a pergunta essencial: se não devemos tocar nas culturas não cristãs, que papel restou a missão e ao missionário? E, se não estamos mais convictos de possuir a Verdade do Evangelho, porque então o diálogo e a preocupação de se superar as diferenças? Não seria tudo a "mesma coisa"?
Não à toa, nos anos imediatamente posteriores ao Concílio Vaticano II (1962-1965) a crise que abalou o catolicismo também atingiu duramente as ordens religiosas. Congregações cujos carismas eram a conversão de judeus, muçulmanos, aborígenes e ateus repentinamente se viram alvos de acusações de aculturar (trocar uma cultura inferior por outra superior) povos e nações. Muitas a partir de então entraram em crise. Outras, como os Frades Franciscanos da Reconciliação (cujo carisma era a conversão dos protestantes) mudaram radicalmente e adotaram o ecumenismo como norma de ação.
Aqui penso que a teologia pluralista planetária libertadora, ao equiparar todas as religiões entre si, prestou um desserviço á própria religião, pois a desarmou do seu ser: o de revelar o divino ao humano. E essa teologia pluralista planetária libertadora, ensinada em diversos cursos de ciências da religião, é a teologia que norteia a ação de vários bispos sinodais amazônicos.
Quando Youtubers como Bernardo Küster e Olavo de Carvalho acusam os bispos sinodais de esquerdismo, heresia e nova-ordem mundismo, deveriam acrescentar que existe também esse componente: as ciências humanas há tempos se colocaram acima da teologia, chegando a definir o que é certo ou errado, o que é merecedor do status permanente - dogmático num sentido geral - e não deveria ser tocado nem discutido. O "ser teológico" perdeu seu espaço por direito.
Por outro lado, o aspecto provisório e mutável dos conhecimentos nas ciências humanas foi deixado de lado e formou-se um novo dogma. Se a missiologia e a catequese devem, a partir de agora, seguir de perto as conclusões dos cientistas sociais, o aspecto carismático e educativo da missão fica engessado perante as conclusões prévias estabelecidas pela metodologia e filosofia previamente adotadas. Se sair do "script", não serve! Enquanto em nome da metodologia missionária os debates sobre ordenação de mulheres, padres casados, missas indígenas e outros gastam o precioso tempo dos bispos sinodais, nas matas e florestas da Amazônia legal e real cristãos leigos seguem desatendidos pelos representantes docentes de sua Igreja!
A inculturação do evangelho, na realidade, se processa de maneira muito mais lenta e por "tentativa e erro". Joseph Lortz na sua obra monumental "História de la Iglesia" nos alertou disso no volume I de sua obra. A evangelização dos germânicos no norte da Europa, segundo Lortz, um processo que levou séculos e consumiu gerações de missionários.
Lortz nos alerta que a inculturação do evangelho em uma cultura não pode ser esboçada nos gabinetes dos estudiosos, mas sim "no campo": na ação missionária propriamente dita, ao se pregar a fé verdadeira aos catecúmenos.

PARA FINS DE CONCLUSÃO
Haveria mais coisas a se dizer, mas como o sínodo está em pleno andamento penso melhor parar por aqui e aguardarmos os andamentos dos trabalhos. Mas já arrisco dizer que o Sínodo da Amazônia pode representar um divisor de águas entre uma eclesiologia calcada na "opção preferencial pelos pobres", modelo adotado a partir dos anos sessenta do séc. XX e cujo expoente maior foi a Teologia da Libertação de inspiração marxista; e uma eclesiologia nova, calcada na Tradição da Igreja e renovada pelos desafios deste séc. XXI que mal começou.
Quem viver, verá!

domingo, 29 de setembro de 2019

40 dias pela vida: porque???


Queridos seguidores,

Após meses de uma ausência forçada pelas redes sociais motivada por problemas pessoais – já plenamente resolvidos, graças a Deus! – estou aos poucos voltando a minha atuação eletrônica.
Queria hoje, nesta verdadeira reestreia, deixar o convite para participar dos 40 dias pela vida, a vigília de oração e jejum contra o aborto diante de locais (hospitais, clínicas) que comprovadamente realizam abortos.
Para justificar meu modo de pensar, leio nas sagradas escrituras que:

“Então Herodes, ao ver que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o seu território, da idade de dois anos para baixo, conforme o tempo que, diligentemente, tinha inquirido dos magos. Cumpriu-se, então, o que o profeta Jeremias dissera: Ouviu-se uma voz em Ramá, uma lamentação e um grande pranto: É Raquel que chora os seus filhos e não quer ser consolado, porque já não existem” (Mt. 2, 16-18).

O evangelista são Mateus cita uma passagem do livro do profeta Jeremias (31,15) para dizer que ele se refere ao episódio conhecido como “Martírio dos inocentes”. Herodes o grande temia que o Messias esperado – Jesus, o Cristo! – o destronasse, e assim após questionar os Reis-Magos planejou matar Jesus ainda bebezinho. O relato evangélico dá a entender que entre o nascimento de Jesus e a visita dos Magos teria se passado um certo espaço de tempo, talvez dois anos ou mais, daí que Herodes tenha arquitetado o sombrio plano de matar bebês e crianças pequenas de Belém.
Herodes estava com medo de uma criança recém-nascida.
Certa vez perguntaram a Madre Teresa de Calcutá o que ela pensava do aborto. Uma pergunta ociosa para a Madre que tanto fez pelas crianças “descartadas” do mundo. Ela respondeu: “Se tememos uma criança no ventre de sua mãe, o que vai nos impedir de nos matarmos uns aos outros?”. Sábia resposta!
Quando desprezamos nosso próximo negando a ele uma esmola, um minuto da nossa atenção, um sorriso, uma oração, uma atenção que seja, somos novamente Herodes que quer que esse “outro” suma de sua vista. E quando esse outro indesejado é um bebezinho dentro do útero de uma mulher, esse “martírio dos inocentes” chama-se aborto. Simples assim!
O aborto é o absoluto fracasso de uma civilização que não quer solução de continuidade. Morre um bebezinho no útero, mas também se suicida toda uma civilização que deve o que tem de melhor ao cristianismo: a misericórdia, a tradição, a religião, a caridade.

Que rezemos e nos mortifiquemos nestes dias de campanha 40 dias pela vida!

Obs.: Aqui na cidade de São Paulo-SP a vigília ocorre na Praça Pérola Byngton, em frente ao Hospital de mesmo nome.
Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 683 - São Paulo Brasil, entre os dias 25/09-03/11, entre as 08-20hs.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Livros sobre a Tradição





Desde o encerramento do último concílio geral da Igreja Católica Vaticano II (1962-1965) o debate em torno da tradição acirrou-se, em especial nos últimos anos. Se desde o final do concílio a leitura interpretativa dominante aqui no Brasil eram autores progressistas que se utilizavam da Teologia da Libertação como chave interpretativa da história da Igreja, a última década viu aparecerem leituras conservadoras. Aqui destaco o historiador italiano Roberto De Mattei que entre os anos 2011 e 2013 teve duas obras suas publicadas no brasil pela editora Ambientes e Costumes.
De Mattei no seu livro Vaticano II: uma história nunca escrita (2011) propõe uma nova leitura do evento conciliar. Para ele o Vaticano II rompeu com a tradição do catolicismo de se opor ao mundo moderno que vinha do Concílio de Trento (1545-1563). Para De Mattei o Vaticano II acabou não só por não se opor ao mundo, mas se colocou lado a lado com o mundo abrindo o catolicismo a mundanidade e a crise atual da Igreja.
De Mattei demonstra seguir de perto a linha eclesiológica de seu grande mestre, Plínio Correa de Oliveira, do qual ele, De Mattei, é o biógrafo oficial. Apoiada em farta bibliografia e documentação, De Mattei entende a tradição dentro de um quadro rígido e estático. A Tradição por excelência seria a forjada nos embates do séc. XVI do catolicismo contra a reforma protestante e o pensamento moderno nascente. Sendo assim, De Mattei entende que somente quando restaurar-se a Igreja Tridentina, uma Igreja de embate contra o mundo, a crise da Igreja católica se resolverá.
Em uma obra posterior, Apologia da Tradição (2013), De Mattei prossegue na sua ideia de restaurar a tradição inaugurada pelo Concílio de Trento, desta vez historiando todo o desenvolvimento da tradição católica ao longo dos milênios chegando aos nossos dias.
Diferente é o desenvolvimento do manual sobre a Sagrada Tradição: Escola da Fé vol. I do prof. Felipe Aquino (Ed. Cleófas, 2000). Apoiando-se em fontes primárias, Felipe Aquino entende que a tradição deve ser mais vivida do que revigorada ou restaurada. A tradição assim é entendida como um fenômeno dinâmico que foi se desenvolvendo ao longo dos séculos sem perder seu núcleo original: a pregação de Jesus Cristo que posteriormente foi fixada nas escrituras e também repassada a nós através da Sagrada Tradição (escrita ou oral).
Este ainda é um projeto pessoal meu que não se completou: a reflexão sobre o papel da tradição na Igreja Católica do séc. XXI. Ainda há muito o que ler, e pouco tempo e boa disposição para o mesmo (sim, ando cansado).
Mas adianto um alerta: a atual discussão sobre a tradição dentro da Igreja não é um problema de fé ou de revelação privada, de liturgia ou de eclesiologia, mas antes de mais nada de história, ou melhor dizendo, de morfologia histórica. De entender como interpretamos o passado á luz das necessidades do tempo presente.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Desleixo e trabalho/estudo bem feito - (ou, o primeiro post de 2019)



"Para um apóstolo moderno, uma hora de estudo é uma hora de oração”.
(São Josemaría Escrivá. Caminho, ponto 335)


Para quem ainda não sabe sou cooperador do Opus Dei, a Prelazia Pessoal fundada por são Josemaría Escrivá em 1928 e cujo carisma é a santificação do trabalho ordinário. Varrição de ruas, aulas, dirigir carros, preparar comida, cuidar de crianças: toda e qualquer tarefa pode ser transformada em oração, em trabalho santificado. São Josemaría retomava uma tradição que remontava aos primeiros cristãos e via na vida corrente um meio de atingir a perfeição humana e a espiritual.
A santidade não era mais privilegio apenas de religiosos e sacerdotes, mas de todos os batizados. O mundo é bom porque saiu das mãos de Deus. Somos nós, os homens que, usando mau de nossa liberdade, deixamos o mundo mais sombrio e feio.
Essa doutrina, que o último concílio geral da Igreja Católica Vaticano II (1962-1965) transformou em ensinamento para todos os católicos, parece que no Brasil ainda não penetrou nas consciências dos fiéis, ou pelo menos parece que precisa urgentemente ser retomada.
Refiro-me aqui a onda de desastres e maus tratos aos brasileiros que o ano que mal começou vem a desfilar: barragem rompida em Brumadinho-MG, incêndio no centro de treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro-RJ, além da inundação que matou e destruiu no Rio, e também em São Paulo e por diversas partes do Brasil. Some-se isso aos casos de corrupção que continuam a aparecer nas manchetes dos jornais, os assassinatos por motivos bestas (até briga em jogo de bolinha de gude anda terminando em morte...); as agressões a mulheres; as brigas no trânsito; o mau atendimento em serviços médicos; e por aí vai.
Num post anterior deste blog eu havia falado que estávamos perdendo as tradições do Brasil, sua religiosidade e cordialidade. Hoje eu queria dar um passo além e alertar para outro problema até mais grave: estamos cada dia mais indolentes e desleixados, trabalhamos mal e nem nos perturbamos com isso. As pessoas andam distraídas e focadas em tudo menos no que realmente importa: o momento presente. Trocamos a realidade pela fantasia.
Mas felizmente isso, como tudo que é mundano, é finito e tem solução.


“Que vos multipliqueis:
como as areias das vossas praias,
como as árvores das vossas montanhas,
como as flores dos vossos campos,
como os grãos aromáticos do vosso café.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.
(“Benção Patriarcal de São Josemaría Escrivá
ao se despedir dos membros do Opus Dei. 29/05/1974)

São Josemaría Escrivá esteve aqui no nosso país em 1974 e naquela ocasião havia profetizado que muitas vocações para o Opus Dei sairiam do Brasil, o que de fato aconteceu. Essa constatação admirou um dos pioneiros do Opus Dei no Brasil, o prof. Esteve Jaulent, que logo a seguir me interpelou com as seguintes palavras: “Mas porque os brasileiros trabalham tão mal?”.
Trabalhamos mal e estudamos pior. Aqui posso falar com um pouco mais de conhecimento, já que boa parte da minha vida passei entre livros e pesquisas: leitura e estudo nada mais são que trabalho intelectual. Como frequentei por anos colégios, cursinhos, faculdades e outras instituições de ensino posso dizer que nesse ponto estamos mal, também. Aqui quero apenas reafirmar: trabalha mal quem estudou mal. O contrário também é verdadeiro.
Mas pra não dizerem que só estou aqui a resmungar, trago boas notícias: essa pasmaceira moral e espiritual em que estamos afundados tem solução. Aqui nós cristãos devemos adotar outra lição de São Josemaria Escrivá: “Tarefa do cristão: afogar o mal em abundância de bem” (Sulco, ponto 864).
Se o problema são barragens de mineração mal construídas, barracões trepidantes que podem a qualquer momento virar piras flamejantes, viadutos despencando por má conservação, devemos responder com um trabalho simples e eficaz feito com os cinco sentidos e olhos postos em Deus.
Se o problema é a violência, a corrupção endêmica, homens agredindo mulheres, brigas e mortes, nós como cristãos, metidos nas nossas atividades habituais devemos dar bom exemplo, rezando, sorrindo, silenciando, trabalhando e ensinando. Simples assim.

Muito pouco do que escrevi aqui é original meu. Apenas procuro seguir os passos de Jesus Cristo que passou trinta anos de sua vida trabalhando na oficina de Nazaré, e que teve em São Josemaría um discípulo fiel. Para quem quiser saber mais sobre como realizar um trabalho bem feito, segue o link da página oficial do Opus Dei no Brasil: https://opusdei.org/pt-br/article/o-estudo/ . Nele o leitor vai encontrar mais informações e pontos de meditação para poder realizar um trabalho bem feito, digno de um cristão.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A minha história no Facebook continua, apesar dos pesares!


Aê, povo: como estamos?

Queria aqui fazer uma correção de uma informação que postei pelas redes sociais cerca de um mês e meio atrás: meu perfil pessoal do Facebook não será mais extinto! Mas, porque essa mudança repentina se eu mesmo havia confessado a alguns amigos pessoais que a decisão já estava tomada?
O motivo é bem simples: excluindo ou desabilitando meu perfil pessoal eu congelo a página Vaticano II também. Aí, todos os vídeos, fotos, imagens, textos e comentários acumulados desde 2012 seriam perdidos. O prejuízo seria grande e, creio eu, meus seguidores ficariam prejudicados.
Sendo assim, continuarei por aqui, apesar dos pesares.
Mas, porque tanto pesar nas minhas palavras? Porque a minha timeline (linha do tempo) do Facebook está um lixo, cheio de material de baixíssima qualidade intelectual. Dói só de ver, quanto mais ler!!!!!
Mas meu dever de ler alguma informação de qualidade deve se sobrepor ao meu asco pela ideologia que muitos tem postado e compartilhado pela internet sem o menor compromisso com a verdade, a qualidade, e o bom gosto!
De qualquer forma, a tendência será deixar o meu blog pessoal (https://teologiadahistoriabrasil.blogspot.com) e o LinkedIn (https://www.linkedin.com/in/edisonminami/) para os textos com linguagem mais rebuscada (alguns dirão: chata...); o Facebook (https://www.facebook.com/edison.minami) e o Twitter (https://twitter.com/edison_minami) para a bagunça do dia a dia e textos mais ágeis e fáceis (não levianos ou mal escritos!!!) que me vierem à cabeça. E por fim, meu canal no Youtube: (https://www.youtube.com/channel/UCwKKjfropf61gOrasvZnMWw?view_as=subscriber)
Será deste modo que pretendo distribuir o material pelas redes sociais.

Espero que gostem!
Edison Minami