quarta-feira, 27 de março de 2024

Semana santa, Páscoa, e mais além

 


Queridos amigos, boa tarde/noite. Alguns devem estar se perguntando porque ando tão sumido das redes sociais. No último mês andei extremamente ocupado com questões de saúde de familiares que me absorveram mais de 110% do meu escasso tempo, e aí as parcas atividades intelectuais que desenvolvo – estas notinhas semanais – ficaram mal-paradas.

 

Imagine seu melhor amigo, aquele em quem você mais confia e ama decidindo morrer no seu lugar por uma culpa que era só sua. Seu amigo não tem nada a ver com sua história, seus erros. E você mesmo assim foge, finge que não conhece ele, até se alegra em ver seu melhor amigo morrendo por você, afinal: “antes ele do que eu!”. Pois é: esse amigo é o Amigo, Jesus Cristo, que morreu por cada um de nós na Cruz! Na semana santa meditamos esse sacrifício de Jesus Cristo.

Ele não quer que o pecador morra, mas que se salve. Se acabamos por terminar na danação eterna, o inferno, será por nosso livre arbítrio e não por circunstancias sociológicas, antropológicas e históricas, como alguns temerariamente tentam nos fazer pensar. Jesus:

 

[...] veio para o meio de nós, com um corpo semelhante ao nosso, com uma alma humana, com um coração que palpita e sangra, foi para que víssemos que nos acompanha e nos ama nas nossas circunstancias, e quer facilitar-nos que entremos em amizade com Ele[1].

Mas infelizmente não entendemos a mensagem do Mestre e pagamos sua bondade e mansidão com violência e morte! A expiação da culpa alheia aceita até a morte, até as últimas consequências, é o ponto alto da Sexta-Feira da Paixão.

Mas Jesus nos convida a completarmos na nossa carne as suas dores e sacrifício, sermos corredentores com Ele. E de fato, ao longo dos dois mil anos seguintes uma multidão incontável de testemunhas aceitou amorosamente ajudar Jesus a carregar um pouco da Sua Cruz, seja através do martírio de sangue, morrendo em testemunho da sua boa nova (evangelho), ou aceitando dores e angustias de todos os tipos, físicas ou morais, cuidando de doentes, desabrigados, idosos, aleijados, órfãos, e todo tipo de pessoa desalentada e solitária.

O cristianismo não nega que devamos lutar para mitigar a dor e a injustiça na terra, mas lembra que a meta final é o Céu e não uma sociedade perfeita, sem contrastes nem injustiças. A luta por mitigar a dor e a injustiça deve ser um meio e não um fim. Mesmo sociedades ricas e poderosas abrigam situações de injustiça que clamam aos céus, como por exemplo, o tratamento dado aos embriões, os nascituros, os deficientes físicos e mentais, aos idosos e desabrigados.

Não devemos cometer o erro bem intencionado, mas erro, daquele venerável bispo já falecido, catalão oriundo da congregação claretiana e bispo de São Feliz do Araguaia-MT durante a ditadura militar compôs um poema para denunciar os crimes e arbitrariedades que presenciou, confundindo personagens e situações históricas com a mensagem de redenção e misericórdia de Jesus:

 

“- Che Guevara –

E, por fim, tua morte também me chamou

Lá da seca luz de Vallegrande.

Eu, Che, continuo crendo

Na violência do Amor: Tu mesmo

Dizias que ‘é preciso ser duro

Sem nunca perder a ternura’.

Mas tu me chamaste. Também tu.

(Os temas compartilhados, dolorosos.

Os múltiplos olhares moribundos.

A inerte compaixão exasperante.

As sábias soluções à distancia...

América. Os pobres. Este mundo terceiro

Quando não existe mais do que um mundo

De Deus e dos homens!)

Escuto no transistor como te canta

A juventude rebelde,

Enquanto o Araguaia palpita a meus pés como uma

[artéria viva

 

Transido pela lua quase cheia.

Toda luz se apagou. E é só noite.

Cercam-me os amigos longínquos, vindouros.

(‘Pelo menos tua ausência é bem real’

Geme outra canção... Oh! A presença

Em quem eu creio, Che,

Para Quem eu vivo

Em quem eu espero apaixonadamente!

...A estas horas tu sabes bastante

De encontros e respostas.)

 

Descansa em paz. E aguarda, já seguro,

Com o peito curado

Da asma do cansaço;

Limpo de ódio o olhar agonizante;

Sem outras armas, amigo,

Senão a espada nua de tua morte.

(Morrer sempre é vencer

Desde o dia em que

Alguém morreu por todos, como todos,

Matado, como muitos...)

 

Nem os ‘bons’ – de um lado –

Nem os ‘maus’ – do outro –

Entenderão meu canto.

Dirão que sou poeta, simplesmente.

Pensarão que a moda pode comigo.

Recordarão que sou um padre ‘moderno’.

Para mim, tanto faz!

Somos amigos

E falo contigo agora

Através da morte que nos une;

Estendendo-te um ramo de esperança,

Todo um bosque florido

De ibero-americanos jacarandás perenes,

Querido Che Guevara!”[2].

 

Quão diferente é a mensagem de Jesus na Cruz quando Ele nos alertava que o seu Reino não era aqui deste mundo! Porque mesmo que conseguíssemos instaurar nessa terra um mundo sem dor nem morte, ficaria a certeza de que não fomos feitos para permanecer aqui na terra, mas para o Céu. Se não tomarmos cuidado vamos confundir os reinos da terra com suas ânsias de justiça social com o Céu, inclusive santificando personagens históricos que em vida pouco ou nenhum apreço demonstraram por Deus, como o homenageado do poema, companheiro revolucionário dos irmãos Fidel e Raul Castro durante a Revolução Cubana (1959).

Jesus morreu na Cruz para nos libertar do pecado, origem da mais triste escravidão humana: o não poder mais se libertar do jugo do demônio, o príncipe deste mundo e não poder merecer o Céu. Esse é que é o verdadeiro espírito dessa semana santa e Páscoa. Esqueçamos o coelhinho e vamos tentar maneirar no chocolate, e agradeçamos o sacrifício de Jesus na Cruz.



[1] RÉGAMEY, Pie. A cruz de Cristo e a nossa. Trad. Fernanda Falcão. São Paulo: Quadrante, 2014, p. 49.

[2] CASALDÁLIGA, D. Pedro. Creio na justiça e na esperança. Trad. Laura Ramo - Antonio Carlos Moura – Hugo Lopes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2ª edição: 1978, p. 238-239.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Ainda sobre The chosen (Os escolhidos)/opiniões de um uspiano

 


Olá meus raros leitores! Não resisti e já voltei à carga de notinhas cheias de referencias, citações e comentários indigestos.

Hoje queria dar continuidade a um assunto que abordei na ultima nota e teve reações positivas de amigos e conhecidos: a série da Netflix The chosen (Os escolhidos). Mas porque uma série que trata de um assunto já tantas vezes abordado, pra não dizer batido, tem causado tanto interesse? Coloco aqui alguns apontamentos meus que podem nos dar pistas do segredo dessa série despretensiosa que está empolgando muitos ao contar uma história há tanto tempo conhecida.

The chosen fala para a geração Millenial

Na minha nota anterior (cf:https://teologiadahistoriabrasil.blogspot.com/2024/01/o-que-ando-assistindo-nas-horas-de.html) comentei que The chosen ocupa hoje o papel das biografias e vidas de Jesus escritas nos sécs. XX e começos do XXI. Admito que li a maioria delas com interesse e gosto.

Mas os jovens de hoje não tem dinheiro ou a paciência de ler tomos com centenas de páginas, digressões teológicas, escolas de interpretação bíblicas, formação e origem dos manuscritos bíblicos, fonte Quelle, teoria das formas, Jesus histórico e/ou/versus Cristo da fé, linhagens dos copistas medievais, nouvelle theologie, etc, etc, etc,...

Ok, há aqui um componente de acomodação e preguiça mental, mas isso não diminui o valor de The chosen ao dialogar com essa molecada que assiste na telinha do celular o início da vida pública de Jesus, a escolha dos Apóstolos e dos discípulos, a origem de personagens que passam despercebidos nos evangelhos como os amigos do paralítico de Cafarnaum, o aleijado da piscina de Siloé, as origens de Simão o zelota, Jairo, sua filha e sua esposa, etc.

Aliás, um sinal de que The chosen queria dialogar com a molecada é a escolha dos atores que interpretam os Apóstolos, discípulos e até mesmo Poncio Pilatos: todos bem jovens, com aquele jeitão de quem nem precisa fazer a barba, cheios de cabelos e vitalidade. Que agora os Millenials abram a Bíblia e leiam as fontes.

The chosen bebe nas tradições mais profundas do cristianismo

Uma coisa que aprendi nas minhas aulas de catequese era de que a sequência de publicação dos evangelhos era primeiro o de Mateus, depois Marcos, Lucas e por fim João já pelos fins do séc. I. Mas anos mais tarde na USP entrei em contato com a moderna exegese bíblica e aí a coisa complicou, ou como dizem popularmente: o caldo entornou.

A teoria das formas defende que teriam se passado décadas ou até mesmo séculos até o surgimento do evangelho de São Mateus, que a tradição situa por volta dos anos 50 a 60 da era cristã. Segundo a mesma teoria o evangelho de Mateus teria surgido tardiamente, alguns estudiosos localizando sua origem no séc. III, e sendo assim os demais evangelhos (Marcos, Lucas e João) seriam mais tardios ainda, havendo assim tempo para que acréscimos apócrifos chamados interpolações contaminassem os relatos bíblicos com milagres, eventos sobrenaturais ou que atentam contra a física como caminhar sobre as águas. Ou seja: seriamos incapazes de ler os relatos primitivos como eles realmente foram pensados!

Pois bem, na série do Netflix São Mateus com cara de menino passa o tempo todo anotando e coletando “material biográfico” de Jesus Cristo, o que demonstra que a série segue rigorosamente a datação sugerida pela tradição, meados do séc. I, para a redação original do primeiro relato evangélico em aramaico[1].

Outro detalhe que não posso deixar passar é a personagem Maria Madalena, que aparece logo no primeiro episódio da série como uma mulher endemoniada que vive bebendo e se alterando diante de homens de má índole, deixando no ar se ela é apenas uma vitima de possessão demoníaca ou uma prostituta, como a interpretação de São Gregório Magno no séc. VI dava a concluir. Essa exegese do grande papa medieval hoje não é mais aceita, mas The chosen parece se referir a essa polêmica ao apresentar o personagem.

Por outro lado, a datação da vida pública de Jesus em The chosen é situada por volta dos anos 24 a 26 depois de Cristo, ou seja: se Jesus realmente morreu aos 33 anos de idade, ele na verdade teria nascido por volta do ano 8 a.C. Essa polêmica com a datação começou também no séc. VI com um monge chamado Dionísio o exíguo que, ao se basear nos conhecimentos astronômicos de sua época, fixou o ano 1 da era cristã, datação que ainda hoje é utilizada em boa parte do mundo. Como podemos perceber, hoje essa datação é contestada e até mesmo nossa série faz eco dessa discussão.

Vale lembrar que a existência de Jesus, Poncio Pilatos, da sinagoga de Cafarnaum e outros personagens bíblicos foi atestada pela moderna arqueologia e por fontes não cristãs, como os historiadores pagãos Tácito e Suetônio, além do judeu convertido ao paganismo Flávio Josefo.

The chosen mostra um Jesus descontraído

A série mostra um Jesus que dá apelidos aos Apóstolos, nada com eles, come, bebe, brinca com as crianças, e ao mesmo tempo demonstra que ele é o messias esperado pelos judeus. Um Deus-filho que de longe não parece nada de especial, mas que realiza os milagres e demonstra com argumentos e fatos que é Deus. Essa é uma das maiores virtudes de The chosen: a naturalidade que deve ter sido a vida de Jesus na terra.

Se o leitor chegou até aqui e riu, mau sinal. Porque na prática o que é o cristianismo senão o encontro com uma pessoa, Jesus Cristo, Deus que nos amou tanto que se encarnou como um de nós, exceto no pecado?

The chosen é ecumênico

Por fim mas não menos importante é destacar que a série tem uma dimensão ecumênica. Nela Jesus não faz acepção de pessoas, sejam ricos ou pobres, brancos ou negros, intelectuais ou operários, e a série mostra isso de uma forma bem descontraída. Jesus quer começar sua pregação pelos judeus, mas sabe que em breve todos os povos e raças devem ser o alvo de sua mensagem. Isso fica bem evidente no final da terceira temporada quando Jesus vai pregar na Decápole para judeus helenizados, gregos, árabes, nabateus e outros, demonstrando a universalidade/ecumenicidade/catolicidade do cristianismo.

Outro aspecto ecumênico na série é o apoio de Igrejas protestantes na sua produção. Nos créditos da terceira temporada aparecem a Igrejas dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons) e o Exército da Salvação como apoiadores, além dos milhares de doadores anônimos, católicos, protestantes, indiferentes ou não que doaram seu dinheiro para que a série fosse produzida.

A aceitação que a série tem tido entre pessoas de tão diversas denominações cristãs já colocam The chosen como um dos grandes acontecimentos ecumênicos do começo do séc. XXI e demonstra que: o que nos une é maior do que o que nos divide!

Conclusão

Enfim, concluo dizendo que é uma série sem restrições de idade ou seja lá qual for a segmentação que você quiser criar. Admito que gostei muito e aguardo em 2024 o quarto ano da série ser exibido no streaming.



[1] Alguns estudiosos argumentam que São Mateus teria escrito originalmente seu evangelho em aramaico e anos ou décadas depois orientado uma tradução para o grego, o que talvez explicasse o porque seu evangelho teria aspectos tardios em sua redação. Aliás, essa questão dos primeiros manuscritos em grego e posteriormente sua tradução para o latim vulgar por São Jeronimo em fins do séc. IV e inícios do séc. V dando origem a Vulgata, tradução oficial da Bíblia católica por mais de mil anos complica exponencialmente as discussões, por isso faço referência dela aqui no rodapé

domingo, 14 de janeiro de 2024

O QUE ANDO ASSISTINDO NAS HORAS DE OCIOSIDADE – E NÃO QUE VIVO OCIOSO!!!!!!

 


Aê meus parcos seguidores! Como passaram de festas de final de ano? Aqui sigo na minha luta diária, um dia após o outro. A regra é: “ano novo, luta nova!” (São Josemaría Escrivá). Fazer as mesmas coisas de sempre bem feitas e com a máxima perfeição humana.

Mas... se o homem foi criado para trabalhar e cuidar desta terra e ele se cansa, então chega uma hora que precisamos descansar. Logo, o descanso bem vivido é algo querido por Deus. Mas, como já venho alertando há tempos, descansar não é não fazer nada, mas sim nos ocuparmos com coisas construtivas: dormir as horas necessárias; ler livros ou mesmo jornais como O São Paulo – o melhor jornal editado na cidade de SP![1]; encontrar amigos e conversar com eles; dar um descanso ao celular e abolir o tiktok da sua vida (eu já instalei o dito cujo três vezes no meu celular, e por fim o desinstalei. Não é coisa pra velhos).

Mas tem horas que eu quero ver seriados, e aí acompanho três series que estão disponíveis nas plataformas de streaming e penso que valem a pena, embora admita que elas possuam valor desigual entre si:



Arquivo X (X files), Star +, onze temporadas.

Essa é indicação para os fãs de intriga, teorias da conspiração, invasão/colonização alienígenas. Série já antiga, dos anos noventa do séc. XX, que na época impressionava os mais sensíveis com a ideia de que fomos criados por seres do espaço e que depois de milhões de anos os mesmos seres resolvem nos exterminar. O criador e roteirista da série, Chris Carter, admitiu que ele pensava em teorias da conspiração e num governo que mente sem parar ao seu próprio povo para se manter – ele no caso se referia ao caso Watergate e no panorama social dos EUA dos anos sessenta e setenta. Aí ele bolou uma dupla de agentes da policia federal norte-americana, o FBI (Federal Bureau of Investigations), que tenta solucionar os casos mais bizarros envolvendo paranormalidade, mutantes, e é claro, alienígenas.

Os irmãos de fé talvez fiquem revoltados com essa minha indicação já que por volta da sexta temporada eles insinuam que Jesus era alienígena e que a religião foi inventada pelos homenzinhos verdes. Enfim... ponto contra! Mas se você não for muito exigente, vale viajar no clima de paranoia que a série soube construir muito bem. Muito antes de se falar de fake News, teorias da conspiração e globalismo, Arquivo X-X Files abriu caminhos.



O surfista prateado (The Silver Surfer), Disney +

Quando eu era um rapazinho magrinho e cabeludinho eu lia gibi pra caramba, e um belo dia li um que me impactou: a Graphic Novel do Surfista Prateado. Escrita pelo criador do universo Marvel Stan Lee e desenhada pelo cultuado Moebius (Jean Giraud ou Gir[2]), a revistinha investia num tema pra lá de sério: Galactus, o devorador de mundos e criador do Surfista vem à terra para absorver o planeta, mas ao contrário do clássico esquema invasão alienígena/destruição da terra, Galactus se apresenta como uma espécie de divindade pagã com igreja e tudo o mais contando até mesmo com um porta-voz – um líder de igreja eletrônica caído em desgraça que se autointitula seu representante.

Eu cheguei inclusive a usar os quadrinhos do gibi num trabalho de classe na escola com mural pintado em madeira compensada e tudo o mais, mas acho que meus colegas de turma não entenderam nada. Era muito esoterismo pra mente adolescente de 1990!

Tudo isso explica porque sou fascinado por esse personagem subestimado pelo cinema, com uma única aparição no terceiro filme do Quarteto fantástico. Na série animada Norrin Reed – o nome verdadeiro do Surfista Prateado – e sua namorada Chala Ball vivem felizes no planeta/mosteiro Zenla, até que Galactus – sempre ele! – aparece para se alimentar do planeta. Preocupado em salvar seus amigos, sua mina e Zenla, Norrin Reed se oferece para ajudar Galactus na sua sinistra tarefa de se alimentar de planetas e em troca salvar seu mundo.

O desenho, até pelo fato de ser voltado ao público infantil, ameniza a discussão moral e religiosa que a Graphic novel havia colocado de forma clara. Já a relação auto-sacrifício, masculinidade e ideais superiores certamente desagradou uma parte do público, o que explica que a série tenha sido descontinuada.



The chosen (Os escolhidos), Netflix, quatro temporadas

Essa série foi um caso feliz de crowfunding, ou seja, financiamento direto para a produção. Arrecadando na “vaquinha” dez milhões de dólares só na primeira temporada, The chosen cumpre o papel que cabia às antigas Vidas de Jesus como as escritas por Peres de Urbel, Daniel Rops, ou grandes biógrafos e pregadores como Georges Chevrot, Michel Gasnier, Otto Ophan, Bento XVI e sua Trilogia sobre Jesus de Nazaré, entre outros.

A série dá vida a personagens que sabemos pouco, como Maria Madalena, Simão o zelota, Nicodemos, entre outros. Apesar de eu achar que a série toma certas liberdades com personagens como Simão Pedro, apresentado como um briguento inveterado, ou um João Batista que gosta de encrenca, no fundo é a má vontade do especialista que é um chato, ou seja: eu.

O ponto forte da série é retratar Jesus como um homem absolutamente comum que escolhe seus discípulos entre pessoas normais: pescadores, cobradores de impostos, donas de casa, e se revela a elas como o Messias, o filho do Deus vivo, a segunda pessoa da santíssima trindade. Aliás, a sem cerimônia com que o Jesus da série realiza milagres e outros fatos sobrenaturais se aproxima bastante com o que de fato deve ter sido presenciado na palestina de dois mil anos atrás.

Se fico escandalizado com isso é mau sinal: significa que o Jesus da minha mente não bate com o Jesus real que não fazia acepção de pessoas.

A única fraqueza concreta de The chosen é exigir uma familiaridade com a Bíblia e com os personagens nela citados que fará com que ateus e pessoas de outras religiões não entendam certas passagens e episódios. Por outro lado pode servir de estímulo para lermos a Bíblia. Enfim, é um programa que dá pra assistir com toda a família sem restrições.

Conclusão

TV, seja por sinal aberto ou por streaming, é um programa bom desde que a gente seja criterioso com o que assiste. Não podemos ser ingênuos de achar que tudo é bom ou tudo é ruim. Sempre é aconselhável perguntar a quem tem mais bom senso que a gente e pedir dicas. Compartilhei com vocês as minhas, mas pode ser que apareça alguém com melhores. Não posso ser orgulhoso e achar que sempre sei mais do que os outros só porque sou, ou era, um rato de biblioteca!

Espero que tenham gostado das minhas dicas, e até a próxima notinha semanal.



[1] Bem que eu podia escrever uma notinha sobre esse jornal maravilhoso, disponível no papel jornal e no aplicativo da arquidiocese de São Paulo disponível no Google Play.

[2] Moebius era um quadrinista francês famoso pelas sagas de ficção cientifica como A garagem hermética, embora tivesse começado nos anos sessenta quadrinizando histórias de faroeste com seu personagem tenente Mike Blueberry. Em 1979 ele participou na criação do ambiente e cenários do filme Alien, no Brasil sub-titulado O oitavo passageiro.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

COMENTÁRIO ACERCA DA MENSAGEM DE “L”




As redes sociais são uma realidade na vida de todos nós, na minha também. E aí a gente troca mensagens de texto, vídeos, memes com todo o tipo de pessoas. Pois bem: lá pela véspera do Natal mandei uma mensagem para os amigos, como vocês bem devem se lembrar (Cf.: https://teologiadahistoriabrasil.blogspot.com/2023/12/natal.html).

Recebi mensagens elogiosas e uma em especial que parecia uma crítica envolta num elogio bem caloroso. Não sou perfeito e tenho consciência que estou cheio de defeitos. Não fiquei magoado de forma alguma. Mas o texto merecia uma resposta, e sendo assim, procederei da seguinte forma: primeiro, vou publicar na íntegra o texto de L (não é o presidente, mas faz o “L”) e depois farei alguns comentários:

 

Não sou religioso...

Mas não é no governo do Lula que tem 33 milhões de pessoas passando fome...

Nem petistas nem lulistas fizeram destruição em Brasília influenciados por discursos de ódio,

Nem genocídio por covid,

Nem genocídio de indígenas,

Nem falando que negro é pesado por arroba colocando título de vagabundo, marginal e preguiçoso como sempre fazem com negros e indígenas nesse país...

Dólar caiu,

Preço da carne e alimentos caiu, inclusive da picanha, gasolina mais barata mesmo cobrando impostos e não tirando recursos dos estados pra fazer discurso e ação eleitoreira,

Inflação fechando o ano mais baixo que nos últimos anos,

Povo consumindo mais,

Inclusive esse Natal de barriga mais cheia sem ovos e sem fila de ossos...

Leis, medidas econômicas, reforma fiscal cumprida, metas fiscais cumpridas...

Só lembrando aqui de quem fez mais o bem para as pessoas...

Ainda não é o ideal, mas vai melhorar mais...

Enfim, não sou religioso, mas o homem e líder que Jesus foi fez diferença naquele período e ficou como exemplo assim como Budas, Martin Luther Kings, Mandelas, Gandhis...

Mas faço minha parte sem lembrar que essa data é comercial para muitos...

Importante é a solidariedade e fraternidade não deixarem de existir nos corações...

Um Feliz Natal pra você e para sua família!!!

Muita Saúde, prosperidade, sucesso!!!

Você não sabia, mas saiba que te admiro principalmente por estar sendo guerreiro cuidando dos seus pais com esse amor e coração grande que o mundo precisa...

Abração meu amigo!!![1]

“L”, agradeço do fundo do coração sua mensagem. Realmente ela aquece o coração da gente, tingindo de vermelho o órgão mais emblemático do nosso corpo, mesmo o de quem há mais de duas décadas não vota mais nos “vermelhos” (eu).

Mas como sou um chato me senti provocado em comentar uma frase em que você, L, fala do atual presidente “L” comentando que ele foi: quem fez mais o bem para as pessoas.

Não resisto e ponho mais pimenta nesse caldo.

Política não é o mais importante em uma pessoa. O caráter é. E se o governante anterior surrupiou jóias e o atual maquia dados econômicos com a ajuda da mídia “comunista” pra pagar de gatão, olha, isso é problema do governante anterior e do atual, não seu ou meu!

E muito menos é problema para Deus. Deus só sabe contar até um: olha para cada um de nós como uma criatura única, que Ele trata como filho adotivo, mas filho, com todos os direitos de herança. E mesmo se o “filho adotivo” faz como seu similar evangélico (Cf. Lc 15, 11-32) e cospe na mão que o acaricia e alimenta, Deus corre todos os dias pra beira da estrada ver se o filho rebelde não se mancou e volta pra casa do papai.

Em resumo, e como eu comentei na notinha anterior: você, L, pode não ligar pra Deus, mas Deus nunca deixa de ligar pra você. Penso que essa seria a mensagem adequada para a virada do ano: olhar para as pessoas e ver seres humanos e não ativistas desta ou daquela causa de caráter duvidoso, seja a causa do presidente “L” e seus pares, ou do presidente Bozo e seus pares.

Digo isso porque se o presidente anterior foi o pior da história e agora foi sucedido pelo melhor, que ironicamente foi um dos antecessores do anterior do atual, e o anterior do atual prometia ser o melhor e hoje é tachado pelos seus inimigos como o pior, olha, melhor deixar para os historiadores do séc. XXII julgar. Eu por mim já me sinto um velho barrigudo já meio sem cabelos e interesse nessas cruzadas sem santo graal pra recuperar e sem santo sepulcro pra libertar.

Sou um historiador que cada dia mais almeja o fim da história fora da história e do tempo (a parusia, como foi comentada por Santo Agostinho de Hipona, Jean Daniélou, Henri Irenée-Marrou) ao invés de lutar por um fim da história no tempo e na própria história (como foi apregoada por Hegel, Marx, Gramsci).

Em resumo, L, não me leve a mal, mas discordamos em quase tudo, menos no ponto essencial: o de que desejamos a todos os que nos suportam um feliz ano novo de 2024!!!!! Que assim seja!!!!!!!



[1] Enviado a mim via whatsapp no dia 24/12/2023.

domingo, 24 de dezembro de 2023

Natal

Estamos na véspera do Natal e uma sensação estranha me invade.

A cidade de São Paulo está mais vazia, silenciosa e deserta, o que em si não é ruim. Estou adorando: o trânsito mais sossegado, a rua mais silenciosa, o transporte público mais rápido e eficiente. Admito que nos últimos tempos passei a apreciar essa calmaria, pois me ajuda a relaxar, ler, meditar, rezar. Bom para a gente se preparar espiritualmente para o Natal.

Mas... tirando o hall de entrada do meu prédio, o presépio na minha sala e o mini presépio da minha mesa de trabalho não vejo os prédios e casas enfeitados como em anos anteriores. O que está acontecendo com todos? Cadê o tal espírito natalino?

Alguns explicam que isso é causado pela crise econômica global, que as medidas que o governo tomou ainda não surtiram efeito, que esse mau humor é culpa da oposição do Bozo ou seja lá de quem for; ou pelo contrário é sim culpa do governo Molusco, da guerra lá onde Judas perdeu as botas.

Mas na época em que o menino Jesus nasceu o mundo também vivia em guerra: a Pax Romana era imposta à força nas fronteiras do Império onde as legiões seguravam com dificuldade pictos, partos, germânicos, persas e muitos mais. Na Galileia, parte do reino judeu fantoche onde Jesus resolveu nascer, judeus e romanos viviam se detestando tanto que anos mais tarde realizariam em atentados terroristas onde os zelotes usavam uma adaga especial contra os malvados imperialistas...– sim, já existia isso naquela época!

A grande verdade é que o Natal não depende dos fígados, do estado de ânimo ou saldo bancário (ainda bem!). Nos lembra que Deus nos criou e nos amou apesar dos nossos erros, pecados e deficiências, tanto nasceu como um de nós. E mesmo assim: ele veio ao que era seu e os seus não o reconheceram. (João 1, 11).

Em resumo: você pode não ligar para Deus, mas Deus sempre liga pra você!

O Menino Jesus, Deus onipotente, veio para nos lembrar que o Criador não é distante e vingativo, mas caloroso e respeitador dessa liberdade humana que gosta de errar e fazer muita caca, e por isso que o mundo anda capenga porque os homens preferem o erro ao acerto e chegam a chamar o erro de acerto! O Deus-criança só quer que você se lembre Dele, e se puder vá a sua Igreja e o adore, em retribuição por ter feito tudo para que você existisse como existe neste exato instante.

Enfim, como diz um velho amigo meu vigia da paróquia: Feliz Natal!

terça-feira, 28 de novembro de 2023

O SENTIDO DA VIDA (parte II)

 


Na postagem anterior deixei uns questionamentos para meus pobres seguidores sobre o que nos motiva a seguir vivendo: estar bem alimentado, sentir prazer o tempo todo, ganhar/gastar dinheiro... Coisas em si mesmas boas, mas... mesmo que a gente satisfizesse todos esses desejos chegaria um ponto em que não conseguiria mais se sentir feliz com elas.

Mas agora vem outra pergunta angustiante: se o fim da vida não está no prazer e nas coisas, onde está? Está no universo? Nas energias positivas? Está em plantar uma árvore, gerar um filho e escrever um livro? Dar nome a alguma rua? Se não respondermos adequadamente a essa pergunta, voltaremos ao ponto de partida.

Certo dia o psicanalista do sentido da vida Victor Frankl foi questionado: “Dr. Frankl, tenho vinte e cinco anos, sexo e dinheiro à vontade. E lhe pergunto: pra que???”[1]. Essa pergunta me fez lembrar a famosa frase do pensador existencialista Søren Kierkegaard: “o homem tem sede do absoluto”.

No seu pequenino livro A morte de Ivan Illich Leon Tolstói brilhantemente resumiu o drama de cada um de nós diante de sua mortalidade. Ao parafrasear o famoso silogismo: o homem é mortal / Sócrates é homem / logo, Sócrates é mortal; Ivan Illich exclama: isso faz sentido para Sócrates, não para Ivan Illich! E admitamos: todas as vezes que sentimos dores, preocupações, decepções, medos, receios, essa desagradável sensação de finitude e impotência nos assalta.

Esse é que é o correto questionamento do problema. Nosso fim não pode estar no mundo nem no tempo, mas em algo ou Alguém que transcenda o mundo e o tempo, senão acabaremos por esbarrar na velha limitação da matéria, que por maior, mais poderosa e bela que seja, um dia acaba.

Quem me conhece sabe o nome desse cidadão a quem me refiro: é Deus. Onipotente, onipresente e onisciente, vindo desde toda eternidade e rumando para a mesma eternidade, capaz de criar a partir do nada, e fazer tudo a qualquer momento voltar ao mesmo nada.

Mas Deus não deve nos meter medo. Ele não se impõe pela força. Ele não age assim. Nas próximas notas espero tratar mais dos atributos divinos e de pistas para podermos racionalmente ligar com a questão da fé e da crença apresentando alguns rudimentos de filosofia da religião. Até lá!!!!!!!!!



[1] FRANKL, Victor. Sede de sentido. Quadrante, São Paulo: várias edições. Outro livrinho que ajudará um leitor questionador na busca do sentido da existência é o do saudoso bispo Rafael Llano Cifuentes Grandeza de coração (Quadrante, São Paulo: várias edições).

domingo, 19 de novembro de 2023

O SENTIDO DA VIDA (parte I)



O mundo moderno existe e funciona com ânsias de eternidade, embora não saiba. Basta ver como se organizam empresas, grupos, associações, sempre com vistas a extrapolar suas próprias existências. Nós mesmos nos enchemos de coisas a fazer, pensar, trabalhamos incansavelmente para passarmos finais de semana prolongados sem fazer nada. E quando finalmente acabam lá vamos nós pensando nas férias, nas festas de final de ano, no próximo final de semana, e assim por diante.

Vamos deixar bem claro que não sou contra o descanso e o repouso, nada disso! Quem trabalha precisa descansar, mas não deve ser um descanso inativo, mas ativo: cultivar um hobby, ler bons livros, dormir bem, encontrar amigos, passear... há uma infinidade de opções sadias e boas.

Mas... Não haverá nada mais a esperar da vida além disso?

O evangelho do 33º domingo do tempo comum nos obriga a pensar nisso (Cf.: Mt. 25, 14-30). Um senhor deixou com três servos cinco, dois e um talento. O talento era uma medida de riqueza, e equivalia a vinte e cinco quilos de prata, o que na época era um dinheirinho bom, igual prêmio da Lotofácil. Pois bem, o senhor – que na verdade é Deus – dá dons para cada um de nós, mas espera que a gente os faça frutificar com boas obras quando ele vier nos visitar.

Os japoneses tem até um termo para definir uma vida altruísta, voltada para o bem do próximo e que dá um sentido para tudo: ikigai. Se do ponto de vista humano não podemos simplesmente viver olhando pro nosso próprio umbigo, quanto mais se olharmos nossa vida com ânsias de eternidade e vida após a morte! O que eu queria deixar aqui como reflexão hoje é pensar e refletir com calma e coragem: a vida da gente é só isso? Comer, beber, se divertir, namorar, casar, copular, gerar uns remelentos e depois esperar a hora de morrer?