quarta-feira, 27 de março de 2024

Semana santa, Páscoa, e mais além

 


Queridos amigos, boa tarde/noite. Alguns devem estar se perguntando porque ando tão sumido das redes sociais. No último mês andei extremamente ocupado com questões de saúde de familiares que me absorveram mais de 110% do meu escasso tempo, e aí as parcas atividades intelectuais que desenvolvo – estas notinhas semanais – ficaram mal-paradas.

 

Imagine seu melhor amigo, aquele em quem você mais confia e ama decidindo morrer no seu lugar por uma culpa que era só sua. Seu amigo não tem nada a ver com sua história, seus erros. E você mesmo assim foge, finge que não conhece ele, até se alegra em ver seu melhor amigo morrendo por você, afinal: “antes ele do que eu!”. Pois é: esse amigo é o Amigo, Jesus Cristo, que morreu por cada um de nós na Cruz! Na semana santa meditamos esse sacrifício de Jesus Cristo.

Ele não quer que o pecador morra, mas que se salve. Se acabamos por terminar na danação eterna, o inferno, será por nosso livre arbítrio e não por circunstancias sociológicas, antropológicas e históricas, como alguns temerariamente tentam nos fazer pensar. Jesus:

 

[...] veio para o meio de nós, com um corpo semelhante ao nosso, com uma alma humana, com um coração que palpita e sangra, foi para que víssemos que nos acompanha e nos ama nas nossas circunstancias, e quer facilitar-nos que entremos em amizade com Ele[1].

Mas infelizmente não entendemos a mensagem do Mestre e pagamos sua bondade e mansidão com violência e morte! A expiação da culpa alheia aceita até a morte, até as últimas consequências, é o ponto alto da Sexta-Feira da Paixão.

Mas Jesus nos convida a completarmos na nossa carne as suas dores e sacrifício, sermos corredentores com Ele. E de fato, ao longo dos dois mil anos seguintes uma multidão incontável de testemunhas aceitou amorosamente ajudar Jesus a carregar um pouco da Sua Cruz, seja através do martírio de sangue, morrendo em testemunho da sua boa nova (evangelho), ou aceitando dores e angustias de todos os tipos, físicas ou morais, cuidando de doentes, desabrigados, idosos, aleijados, órfãos, e todo tipo de pessoa desalentada e solitária.

O cristianismo não nega que devamos lutar para mitigar a dor e a injustiça na terra, mas lembra que a meta final é o Céu e não uma sociedade perfeita, sem contrastes nem injustiças. A luta por mitigar a dor e a injustiça deve ser um meio e não um fim. Mesmo sociedades ricas e poderosas abrigam situações de injustiça que clamam aos céus, como por exemplo, o tratamento dado aos embriões, os nascituros, os deficientes físicos e mentais, aos idosos e desabrigados.

Não devemos cometer o erro bem intencionado, mas erro, daquele venerável bispo já falecido, catalão oriundo da congregação claretiana e bispo de São Feliz do Araguaia-MT durante a ditadura militar compôs um poema para denunciar os crimes e arbitrariedades que presenciou, confundindo personagens e situações históricas com a mensagem de redenção e misericórdia de Jesus:

 

“- Che Guevara –

E, por fim, tua morte também me chamou

Lá da seca luz de Vallegrande.

Eu, Che, continuo crendo

Na violência do Amor: Tu mesmo

Dizias que ‘é preciso ser duro

Sem nunca perder a ternura’.

Mas tu me chamaste. Também tu.

(Os temas compartilhados, dolorosos.

Os múltiplos olhares moribundos.

A inerte compaixão exasperante.

As sábias soluções à distancia...

América. Os pobres. Este mundo terceiro

Quando não existe mais do que um mundo

De Deus e dos homens!)

Escuto no transistor como te canta

A juventude rebelde,

Enquanto o Araguaia palpita a meus pés como uma

[artéria viva

 

Transido pela lua quase cheia.

Toda luz se apagou. E é só noite.

Cercam-me os amigos longínquos, vindouros.

(‘Pelo menos tua ausência é bem real’

Geme outra canção... Oh! A presença

Em quem eu creio, Che,

Para Quem eu vivo

Em quem eu espero apaixonadamente!

...A estas horas tu sabes bastante

De encontros e respostas.)

 

Descansa em paz. E aguarda, já seguro,

Com o peito curado

Da asma do cansaço;

Limpo de ódio o olhar agonizante;

Sem outras armas, amigo,

Senão a espada nua de tua morte.

(Morrer sempre é vencer

Desde o dia em que

Alguém morreu por todos, como todos,

Matado, como muitos...)

 

Nem os ‘bons’ – de um lado –

Nem os ‘maus’ – do outro –

Entenderão meu canto.

Dirão que sou poeta, simplesmente.

Pensarão que a moda pode comigo.

Recordarão que sou um padre ‘moderno’.

Para mim, tanto faz!

Somos amigos

E falo contigo agora

Através da morte que nos une;

Estendendo-te um ramo de esperança,

Todo um bosque florido

De ibero-americanos jacarandás perenes,

Querido Che Guevara!”[2].

 

Quão diferente é a mensagem de Jesus na Cruz quando Ele nos alertava que o seu Reino não era aqui deste mundo! Porque mesmo que conseguíssemos instaurar nessa terra um mundo sem dor nem morte, ficaria a certeza de que não fomos feitos para permanecer aqui na terra, mas para o Céu. Se não tomarmos cuidado vamos confundir os reinos da terra com suas ânsias de justiça social com o Céu, inclusive santificando personagens históricos que em vida pouco ou nenhum apreço demonstraram por Deus, como o homenageado do poema, companheiro revolucionário dos irmãos Fidel e Raul Castro durante a Revolução Cubana (1959).

Jesus morreu na Cruz para nos libertar do pecado, origem da mais triste escravidão humana: o não poder mais se libertar do jugo do demônio, o príncipe deste mundo e não poder merecer o Céu. Esse é que é o verdadeiro espírito dessa semana santa e Páscoa. Esqueçamos o coelhinho e vamos tentar maneirar no chocolate, e agradeçamos o sacrifício de Jesus na Cruz.



[1] RÉGAMEY, Pie. A cruz de Cristo e a nossa. Trad. Fernanda Falcão. São Paulo: Quadrante, 2014, p. 49.

[2] CASALDÁLIGA, D. Pedro. Creio na justiça e na esperança. Trad. Laura Ramo - Antonio Carlos Moura – Hugo Lopes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2ª edição: 1978, p. 238-239.

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