terça-feira, 7 de julho de 2020

PENSAR POR CONTA PRÓPRIA (Enrique Monasterio)


Há livros que durante décadas dormitam na sua estante até que um belo dia você cria coragem e os lê. Pensar por conta própria do padre Enrique Monasterio foi um deles até ontem a noite quando o terminei. Publicado por volta de 2000, ficou parado 20 anos nos meus armários, até que neste contexto de isolamento social chegou a vez dele de ser lido. Boa parte dos contos e reflexões do livro foram escritos na década de 90 do séc. XX e acabam soando antigas, como quando ele cita fitas cassete e velhos programas de TV, mas no geral mantém ainda atualidade nos assuntos que aborda.

A tese central do livro e que dá origem ao título é a de que no nosso tempo não se pensa mais livre e individualmente, como a atividade intelectual leva a concluir, mas a adotar umas duas ou três “filosofias de vida”, mesmo que essas novas filosofias sejam incoerentes entre si. A intenção de Monasterio não era escrever um tratado de moral, embora a moral cristã atravesse todas as suas reflexões muito bem humoradas, como logo perceberemos.
Por exemplo, quando ele comenta que: “O hedonismo – o selvagem e o refinado – é o último e o mais lamentável estágio do materialismo”[1]. Quando você lê essa afirmação sabendo que o autor é um sacerdote já espera algo como um sermão condenando o materialismo, etc... Pelo contrário, ele lembra uma conversa com um ex-colega de faculdade que disse:

“_Passei diretamente do marxismo para a gastronomia”.
“Riu de sua própria piada, fez uma pausa e continuou:”
“_Onde estava você em maio de 68? Eu estava aqui mesmo, mas era como se estivesse em Paris. Foi lá que tudo começou a afundar-se. Os velhos ideais comunistas já não serviam. Embora o muro [de Berlim] continuasse de pé, percebia-se claramente que por trás não havia nada: apenas meio século de mentiras”.
“_Nem poderia ser de outra forma – interrompi-o -, o marxismo...”.
“_Olhe, você não precisa convencer-me de coisa alguma. (Fez um gesto com a mão, como para afastar da mente um pesadelo). O marxismo era um monte de lixo... Que descanse em paz. Mas nós, que militávamos no Partido, queríamos fazer alguma coisa pelo povo, mesmo à custa de sacrifícios. Sonhávamos de verdade com uma sociedade igualitária e democrática. Maio de 68 foi a última revolução. Urgia enterrar os velhos sonhos e gozar a vida. Alguns descobriram o sexo. Agora, com o passar do tempo, só me resta a gastronomia”[2].

Após o anarco-libertarismo sexual da revolta estudantil dos anos 1960 o que ficou foi o materialismo mais aburguesado. Penso que em 2020 esse alerta ainda nos sirva.
Páginas adiante Monasterio nos alerta que esse desencanto com as utopias acaba desaguando no pessimismo aberto. Discordando da máxima que diz que a esperança é a última que morre, ele nos apresenta o quadro atual do pessimismo:

“Existe um pessimismo planetário (...). A camada de ozônio, o aquecimento global, as espécies em extinção, as calotas polares que se estão derretendo, a bomba demográfica (que vai encher de crianças – negras – o planeta), a Aids (que exterminará todas essas crianças), a poluição das águas, as mudanças climáticas, a escassez de alimentos, as manchas de petróleo, a vaca louca, a falta de filhos, o excesso de avós... (...)”.
“Existe um pessimismo na humanidade e nas estruturas humanas: a corrupção galopante, os partidos putrefatos, a voracidade dos bancos, a estupidez dos sindicatos, a negligência dos funcionários, as mentiras da imprensa, o negativismo dos jovens, o cinismo dos velhos, os testes nucleares, a direita que vem, a esquerda que não se vai, as seitas que nos invadem, as tribos urbanas...”. (...).
“Há um pessimismo pessoal, uma crise de ambição, que atinge os mais jovens. A culpa não é toda deles: fomos nós que lhes cortamos as asas. Do modo como estão as coisas, quase ninguém se atreve a sonhar alto. A Universidade está cheia de aspirantes a médicos que se conformariam com ser extirpadores de furúnculos pelo SUS; de prêmios Nobel em potencial que dariam qualquer coisa para garantir um lugar como ajudantes de laboratório...”.
“Porém, há principalmente um pessimismo quase metafísico que considera irreversíveis essas previsões. Por definição, nada tem solução”. (...).
“Daí que nossa sociedade seja tão conservadora, no sentido mais profundo da palavra. Poucos acreditam numa mudança. Refiro-me, evidentemente, à mudança pessoal, à conversão, à possibilidade de nos tornarmos diferentes, de aspirar ao mais alto... A outra mudança, aquela que os políticos prometem, é apenas uma mudança de paisagem para que tudo continue na mesma”[3].

A consequência dessa cultura do pessimismo é a desilusão com a vida que leva os jovens a caírem na droga, e para anestesiarem o pessimismo que já os dominou por completo, vão se valendo de drogas cada vez mais pesadas. Para evitar não morrer de overdose e/ou pessimismo o homem moderno encontra um sucedâneo nas ideologias ou linhas de pensamento dominantes. Aqui você poderia dar o nome contemporâneo que quiser: politicamente correto, globalismo, nova ordem mundial, marxismo cultural, etc. e tal. Nas definições do nosso autor:

“(...) ‘a ideologia é um todo, que se deve aceitar e assumir em nível de militância na sua integridade programática, no marco da luta solidaria por uma libertação integral – e de classe – do biótipo humano’. O que, traduzido em bom português, significa:”.
“_Olhe, Celidônio: é pegar ou largar. As ideias se vendem em lotes. É que estão em oferta, sabia?”[4].

A consequência final desse deixar que outros pensem por você é que se tentar remar contra a corrente as consequências podem ser drásticas:

“(...) ser respondão e tratar de pensar por conta própria é uma decisão arriscada. Num instante afixam-lhe uma etiqueta de grosseiro, conservador, covarde e provavelmente fascista, adjetivo de muito efeito, que ninguém mais sabe o que significa e provavelmente equivale a ‘mau’ ou ‘feio’”[5].

Conclusão

Antes de mais nada, queria dizer que amei a leitura desse livro, mesmo que tenha demorado vinte anos pra finalmente terminá-lo! A distância de 20 anos de sua publicação não o envelheceu por completo. Pelo contrário, noto que muitos dos assuntos que em 2000 ele apenas esboçou hoje se tornaram realidade.
Outro ponto importante a destacar é o alerta de Monasterio sobre o risco que implica a cada um de ir contra a corrente de pensamento dominante, especialmente se a corrente da moda investe contra a moral e a valores inegociáveis do cristianismo como a vida humana do momento de sua concepção até o seu término natural.
Livros como Pensar por conta própria são cada dia mais essenciais.


[1] MONASTERIO, Enrique. Pensar por conta própria. Trad.: Élcio de Oliveira Lima. São Paulo: Quadrante, 2000, p. 74.
[2] Op. cit., p. 74-75.
[3] Op. cit., p. 136-137.
[4] Op. cit., p. 160-161.
[5] Op. cit., p. 167