domingo, 30 de agosto de 2020

O QUARTO CÁLICE (Scott Hahn) – apontamento final

 

... e finalmente chegamos ao último post sobre o livro de Scott Hahn.

Na parte final do livro Hahn tece diversos comentários sobre o papel da Páscoa cristã na vida dos fiéis. Hahn nos lembra que a vida neste mundo é milícia.

Enquanto estivermos neste mundo alternaremos momentos de alegrias e tristezas, dores e gozos, mas nada disso terá sentido se não for encarado à luz do sacrifício de Jesus na Cruz. Jesus morreu na Cruz para salvar a todos nós, crentes e não crentes, amigos e inimigos de Deus. Ele sendo Deus sabia que pelos milênios afora muitos não iam aceitar seu sacrifício sangrento de redenção. Como disse papa Francisco Deus é rico em misericórdia (Dives in misericórdia), não quer o mal e a perdição de ninguém, mas sim que todos se salvem. Assim como fez com Judas Iscariotes, até o último instante dá os meios para o maior dos pecadores mudar de rumo e se converter. É dentro dessa lógica que Hahn conclui que a aceitação da dor pelos cristãos é a chave para coparticiparmos de seu sacrifício na Cruz. Nas suas próprias palavras:

 

“O amor de Jesus por nós expressa-se perfeitamente em sua hora, seu cálice, seu sofrimento – no Mistério Pascal. Tendemos a nos esquecer disso. Queremos experimentar o amor como prazer. Gostamos de imaginar o amor dessa maneira. E é mesmo verdade que não há prazer mais elevado que o amor”.

“Entretanto, o amor como ocasião de sensações agradáveis o gozo da presença de alguém – não é idêntico a essas sensações agradáveis. Além disso, o amor pode prosperar na ausência do prazer. Pense numa esposa que cuida de seu marido em estágio avançado de demência. Ela não conhece mais os prazeres da conversação. Ele não compra mais presentes para ela nem lhe envia flores. O corpo dele, antes belo, agora pesa quando ela o levanta de sua cadeira e o guia até a mesa”.

“Ela sofre por amor do outro. Entrega-se altruisticamente, como Cristo se entregou. Ela conhece a difícil alegria que vem do verdadeiro amor”. (...).

“Sempre que as pessoas amam, é assim que o fazem. O amor é a resposta ao enigma do sofrimento. O sofrimento é a resposta ao enigma do amor. Só com Jesus – e, de modo particular, como Mistério Pascal – Deus revelou a resposta aos enigmas perenes de nossa existência”.

“Com sua Paixão e sua Páscoa, Jesus nos guia, ensina e dá o poder de viver a vida do céu, que é o amor. Sua vida impele-nos primeiro a imitá-lo; depois, a buscar a união com ele; e enfim, a permitir que Ele aja em nós. É então que a vontade do Pai se faz. Por meio do Mistério Pascal – a hora, o cálice -, entramos em comunhão com Jesus. Partilhamos de sua vida. Participamos dela”[1].

 

Em resumo: no amor encontraremos a dor; e na dor o verdadeiro sentido do amor. Quem já se sacrificou por outra pessoa sem esperar nenhum tipo de agradecimento ou retribuição sabe bem do que estou falando aqui. Esse é que era o cálice que Jesus pediu para o Pai Celeste que afastasse, mas logo em seguida Ele pediu que se fizesse a vontade Dele e não a sua...

E aqui termino por hoje. Espero que tenham gostado.



[1] HAHN, Scott. O quarto cálice: desvendando o mistério da Última Ceia e da Cruz. São Paulo: Quadrante, 2020, p. 150.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

O QUARTO CÁLICE (Scott Hahn) – segundo apontamento

No post da semana passada o leitor amigo pode ter ficado bravo já que não esclareci quase nada do livro de Scott Hahn O quarto cálice, mas como eu havia alertado esta sequência de postagens não tem como finalidade reproduzir na íntegra o pensamento do autor, mas apenas compartilhar algumas impressões.

Hahn ao longo de suas pesquisas foi se aprofundando mais e mais na Tradição dos primeiros séculos do cristianismo, chegando após anos de árduos estudos a conversão ao catolicismo. Ao iniciar seus estudos em uma universidade católica, ele decidiu assistir a uma missa para entender a celebração eucarística. Sua intenção era agir como um pesquisador de campo observando pássaros e animais, mas o que ele encontrou foi muito mais. Deixemos ele concluir com suas próprias palavras suas impressões, marcadas pelo espanto e a surpresa mesmo décadas após o fato narrado:

 

“Estaria ali somente como observador, como um acadêmico que empreendia uma investigação histórica. Decidi comparecer a uma das Missas de dia de semana, sabendo que elas atraíam multidões menores que a Missa Dominical. Com minha Bíblia e um caderno, sentei-me no banco de trás da capela da universidade. Estava bem preparado. Tinha tomado todas as precauções. Não estaria mais seguro nem mesmo se houvesse utilizado uma bolha plástica por observatório”.

“No entanto, logo percebi que não estava preparado de forma alguma. O que experimentava ali era uma imersão nas Escrituras – tanto no Antigo como no Novo Testamento. Ao mesmo tempo, não se parecia em nada com um grupo de estudo bíblico. Não se parecia em nada com uma aula. Não havia nada ali que alguém pudesse encarar como entretenimento. Não havia nada que parecesse calculado ou calibrado para estimular minhas emoções”.

“As palavras e o culto eram dirigidos a Deus. Diziam respeito a Ele. As fórmulas rituais eram profundamente trinitárias, como as bençãos e saudações de São Paulo. Quando as pessoas não estavam lendo diretamente da Bíblia, o sacerdote estava pronunciando orações ricas em citações e alusões bíblicas, extraídas livremente do Genesis ao Apocalipse”.

“Do Apocalipse, sobretudo. Quase tudo o que vi na capela lembrava-me desse último livro do cânone. Havia um altar e um clero investido. Havia castiçais dourados. A congregação entoava a canção dos anjos do céu: ‘Santo, Santo, Santo’. E, a todo momento, fazia-se menção de Jesus como ‘o Cordeiro’”.

“O rito da Missa evocava o céu – como se estivéssemos mesmo lá -, e o acontecimento como um todo apresentava certa qualidade pascal. Não se tratava apenas da menção do ‘Cordeiro’, embora isso realmente só fizesse sentido em face da Páscoa de Jesus. A Missa inteira estava repleta de símbolos pascais. Percebi muitos deles naquele primeiro dia e ainda outros à medida que fui retornando à Missa nos dias seguintes”.

“Não pude deixar de concluir que a renovação da aliança celebrada pelos católicos era consistente e contínua (como cumprimento) em relação à renovação da aliança celebrada pelo Israel antigo. Do mesmo modo, era profundamente bíblica e cristocêntrica”[1].

 

Páginas depois Hahn comentou do começo da caminhada de sua esposa no catolicismo, que foi mais demorado e acidentado:

 

“(...) ela também começou a reparar no quão profundamente bíblicos eram os ritos da Igreja Católica. Se se incluírem os Salmos Responsoriais, fazem-se dezessete leituras extensas das Escrituras ao longo da liturgia. Era mais Bíblia do que ela, filha de pastor, jamais havia lido num culto dominical”[2].

 

Hahn descreveu acontecimentos ocorridos mais de três décadas atrás. Como historiador fui habituado a desconfiar de relatos pessoais distantes no tempo. Digo isso porque, infelizmente, a memória é móvel e ao longo do tempo omitimos e acrescentamos detalhes novos a nossas memórias com o uso da imaginação. Essa é uma operação diversas vezes involuntária, outras nem tanto, que levam a nós historiadores de ofício a sempre desconfiar de nossas fontes documentais.

O testemunho de Scott Hahn dói em pessoas como eu que, devido o isolamento social provocado pelo Coronavírus e o impedimento de frequentar missas e sacramentos. Provoca dentro do meu ser o desejo de voltar a prática religiosa o quanto antes. Me vem a mente as palavras do “Catecismo verdinho”, aquele das perguntas e respostas que a certa altura dizia: “basta uma comunhão eucarística perfeita para merecermos o Céu”. Bom, isso foi lá em 1992. De lá pra cá assisti missas calmamente, outras olhando o relógio. Comunguei atento, distraído e, em algumas ocasiões de forma não muito digna, e talvez até indigna, para mais tarde correr pra me confessar.

MEA CULPA, MEA MAXIMA CULPA... Como sou tapado me confessava e, bola pra frente!

 

Pensemos nisso quando, finalmente, conseguirmos assistir a missa completa e presencial, para enfim podermos comungar o verdadeiro sangue e carne de Jesus escondidos sob as espécies do pão e do vinho!



[1] HAHN, Scott. O quarto cálice: desvendando o mistério da Última Ceia e da Cruz. São Paulo: Quadrante, 2020, p. 124-125.

[2] Idem, ibidem, p. 134. Essa informação de que católico lê mais Bíblia que protestante no culto dominical é confirmada por Alex Jones (um pastor pentecostal convertido ao catolicismo) na sua obra Não tem preço.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

O QUARTO CÁLICE (Scott Hahn ) – primeiro apontamento

Como todos já sabem estou desde o dia 20/03/2020 em isolamento aqui onde resido atualmente e admito que nem sempre é fácil. Há momentos em que a saudade dos parentes, amigos e conhecidos incomoda, além é claro de não poder mais sair pelas ruas despreocupadamente. Mas existem coisas mais importantes como cuidar dos pais idosos, e nesse momento só encontro forças para seguir adiante graças ao apoio de Deus. No resto, tombamos. Falo isso com experiencia própria.

Nessas horas a gente se cansa das baboseiras das redes sociais; dos debates infindáveis na TV; de ficar repassando a higienização de corpos, ambientes e coisas, e decidimos reagir aceitando e nos adaptando as circunstâncias. No meu caso, retomei com vigor as leituras.

Foi nesse contexto que li esse livro recente de Scott Hahn, O quarto cálice. (Cf.: https://www.quadrante.com.br/o-quarto-calice). 

Hahn, membro da Prelazia do Opus Dei nos Estados Unidos da América e escritor de talento e erudição, tratou desse tema aparentemente batido, porém mal compreendido: a instituição da Eucaristia na Quinta-Feira Santa e a Paixão de Jesus na Sexta-feira.

Hahn nos leva a reconstituir suas pesquisas sobre a Última Ceia de Jesus e como na celebração daquele dia memorável Jesus seguiu á risca o Seder judaico, ou seja, a rememoração da Páscoa Judaica, a fuga dos hebreus do Egito.

Como um detetive litúrgico, Hahn amplia nossa compreensão da celebração eucarística nos levando a conclusão de que entendemos precariamente o real significado da celebração eucarística.

Hahn demonstra ter uma erudição que não o leva a eliminar ou excluir autores que não comunguem da mesma visão de eclesiologia que ele, como pude comprovar pela leitura atenta da bibliografia. (Agradeço a Editora Quadrante por se importarem com pessoas como eu que valorizam livros com bibliografia e notas de rodapé. Obrigado, obrigado...).

 

Vou apenas comentar algumas poucas passagens que me chamaram a atenção e dividi-las em alguns posts. Espero que não prejudique o entendimento do livro.

 

Hoje vou deixá-los com uma breve reflexão sobre o mundo atual em que vivemos, um mundo que insiste em viver de costas para suas próprias tradições, querendo nos impor suas próprias:

 

“No século XXI, gostamos de pensar em nós mesmos como sagazes consumidores de notícias – ou mesmo de história. Somos céticos no que diz respeito a tradições. Gostamos de imaginar que somos exigentes na avaliação da veracidade das evidências. No entanto, temos também nossas tradições, das quais se destaca a proliferação anual de artigos e especiais televisivos que pretendem refutar o que o Novo Testamento diz sobre Jesus. Eles começam a pipocar em meio à Quaresma e multiplicam-se durante a Semana Santa. Trata-se de uma espécie de liturgia secular, com suas próprias proclamações, seus próprios recursos à autoridade e seu próprio caráter formativo. Entre seus alvos de costume encontra-se o caráter pascal da Última Ceia”[1].

 

Esse é o mundo que Deus escolheu para nós vivermos, e é através dele que chegaremos à santidade e ao Céu.

 

Até a próxima semana!



[1] HAHN, Scott. O quarto cálice: desvendando o mistério da Última Ceia e da Cruz. São Paulo: Quadrante, 2020, p. 51.