Dias
atrás contei a vocês sobre a história da catequista/irmã terciária
agostiniana/catequista Santa Madalena de Nagasaki.
Completando
as reflexões sobre evangelização dos povos, queria falar um pouco sobre o pe.
Domingo Chohachi Nakamura (+1940).
Em fins do
séc. XIX o Japão havia se aberto ao comércio com os povos ocidentais, e, como
já havia contato no post anterior (Cf.:
https://teologiadahistoriabrasil.blogspot.com/2019/10/santa-madalena-de-nagasaki-as-licoes.html),
isso também acarretou a entrada de missionários cristãos no arquipélago,
evangelização essa que havia sido interrompida no séc. XVII.
Nesse
contexto o jovem Nakamura se converte, é batizado e se ordena padre, atuando
junto aos "cristãos ocultos" nas Ilhas Goto, um arquipélago isolado
onde, após as perseguições do séc. XVII, muitos cristãos se esconderam. E lá o
Pe. Nakamura seguiu evangelizando com muito empenho e esforço.
Aos 58
anos de idade, em uma altura da vida onde muitos com razão já pensam na
aposentadoria, o bispo local procurava voluntários para iniciar o trabalho de
atendimento espiritual aos imigrantes japoneses que desde 1908 emigravam em
levas ao Brasil, mais especificamente ao interior do Estado de São Paulo, mas
também norte do Paraná, sul de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
Sem
pestanejar, Pe. Nakamura seguiu para o Brasil.
No
interior paulista da década de 1920 as distâncias eram imensas: entre uma
fazenda e outra dezenas de quilômetros que Pe. Nakamura percorreu a pé, ou de
vez em quando, o lombo de uma mula e carregando duas pesadas valises. Uma delas
com seus paramentos, hóstias, breviário; e a outra com o altar portátil, os
cálices, sanguíneos e demais apetrechos para celebrar missa. Eram os tempos da
missa em latim de rito tridentino, logo, a bagagem do Pe. Nakamura era bem
pesada!
E lá ia
ele. Onde havia japoneses ele ia atrás: pregando, batizando, casando e
enterrando, quase sempre em japonês. E não apenas os “cristãos ocultos” que
haviam emigrado ao Brasil, mas qualquer um com boa disposição no coração,
fossem budistas[1], xintoístas[2]
ou simples caboclos das redondezas que viviam sem padre: ele os atendia e os
ouvia, quando, onde e como fosse. Antes de ser japonês e padre ele era um discípulo
de Jesus Cristo e tinha plena consciência de que haviam muitas ovelhas que não eram
do seu aprisco – os imigrantes – mas ele atendia qualquer um.
De um paroquiano
recém convertido ele certa vez ouviu: “ser cristão é viver o verdadeiro espírito
de Yamato!”. Yamato era o antigo nome do Japão. Com o tempo passou a
denominar uma província densamente arborizada, onde se dizia, as almas iam
morar após a morte. Yamato, de um modo mais genérico, pode também significar
tudo o que se refere ao “ser japonês”: sua língua, cultura, costumes. Daí a
fala do recém-batizado poder ser entendida como uma forma de “inculturação” da
cultura japonesa ao evangelho. Ser japonês e cristão é ser plenamente nipônico.
Os conceitos de fidelidade ao senhor ou ao superior, transferidas ao Deus Supremo,
a obediência aos mandamentos, tudo isso foi transferido ao cristianismo dos
japoneses no Brasil.
E assim ele
seguiu trabalhando no Brasil até chegar aos 85 anos, quando a idade e o esforço
pesaram. Emagrecido e acamado, perguntou pateticamente: “onde foram parar as
carnes das minhas pernas?”. Morreu em odor de santidade.
Seus antigos
seguidores, anos depois e em sua homenagem, fundaram a PANIB, Pastoral
Nipo-Brasileira, que segue suas atividades até os dias atuais.
Quanto a figura
do próprio pe. Nakamura, hoje há todo um esforço em abrir seu processo de
beatificação. Rezemos para que este verdadeiro missionário seja um dia elevado
aos altares! Que assim seja!
Que Deus todo
poderoso suscite vocações missionárias como as do Pe. Nakamura, na Amazônia, no
Brasil e pelo mundo todo.
Amém!!!
(Abaixo segue a oração pedindo a intercessão do Pe. Nakamura).
[1] Sidarta Gautama, ou simplesmente
Buda, viveu no séc. V antes de Cristo. Fundador do budismo, muito numeroso em
fiéis na Ásia.
[2] O Xintoísmo poderia ser definido
como culto aos antepassados. No Japão ganhou uma roupagem religiosa, tornando-se
a segunda maior religião do Japão, atrás apenas do budismo.