Enquanto escrevo
aqui de casa vejo que o mundo mais uma vez convulsiona, desta vez devido a
pandemia do COVID-19, apelidada pela imprensa e mídias sociais de Corona-vírus.
Sim, eu sei e
todos que leram o post até aqui já estão fartos e tomando todos as devidas providências,
logo, não há necessidade de me estender sobre os aspectos clínicos e médicos do
assunto.
Meu enfoque como
historiador da Igreja é outro: a sensação de temor e tremor que assola a todos
há tempos. Em outras palavras: a certeza de que nosso mundo, construído sobre
os ganhos da modernidade dos últimos séculos, vai desabar num instante como um
castelo de cartas. (Os corretores da bolsa de valores que o digam!).
Ao ver como o mundo
e cada pessoa se assombra diante da possibilidade do seu próprio fim - certeza essa
que é a única que temos! – veem a mente A cidade de Deus de Santo
Agostinho de Hipona (354-430).
Para Agostinho um
acontecimento mau é enfrentado de modos diferentes por cristãos e não cristãos.
O ímpio sofre para se arrepender dos seus pecados, já os justos sofrem para que
estejam sempre despertos e preparados para amar e servir ao seu Deus, ou seja,
para justificar a sua fé. Pecadores e santos enfrentam diferentemente os
desafios da vida: os primeiros com revolta ou resignação, já os segundos com
alegria, pois entendem que a dor os une ao seu Deus feito homem e morto na Cruz:
“(...)
a paciência de Deus convida os maus à penitência, como os flagelos adestram os
bons na paciência. E como a misericórdia de Deus abraça os bons para
auxiliá-los, sua severidade apodera-se dos maus para castigá-los”. (...).
“Assim,
malgrado partilharem das mesmas angústias, bons e maus não se misturam, por
estarem confundidos nas provações. A semelhança dos sofrimentos não elimina a diferença
entre os sofredores e a identidade dos tormentos não estabelece identidade
alguma do vício e da virtude”[1].
Aqui vale a
regra da parábola onde o sol nasce para bons ou maus, onde o semeador sai para
semear a semente tanto no solo bom quanto no ruim. Deus não permite a maldade
dos homens porque não pode fazer nada – argumento de ateus militantes como
Richard Dawkins e Paolo D´Arcais contra a crença em Deus – mas sim porque ele
preza a nossa liberdade. As guerras mundiais ocorrem apesar da desaprovação
divina, e não por causa de uma “incompetência de Deus” ou insensibilidade
divina.
Quanto as
calamidades que assolam o mundo como uma epidemia de peste, por exemplo, elas
lembram que o mundo não está acabado em si. Como criatura de Deus, o mundo
segue progredindo, se transformando, se plasmando, buscando algo que apenas no
final dos tempos ocorrerá: seu ápice. E essa busca de equilíbrio não transcorre
sem acidentes: terremotos, maremotos, secas, enchentes, somadas a guerras, convulsões
sociais, conflitos de todos os tipos. A natureza se transforma, mas a ação do
homem também transforma e interfere. Outro pensador de destaque também desenvolveu
essas mesmas ideias:
“(...)
Deus está lá, sustentando todos os seres, Ele que é o Senhor da história;
porque Ele não apenas sabe disso, mas tudo o que ocorre acontece porque Ele o quer
e permite. Esse Deus nos ensinou a invocá-lo como Pai; este é o primeiro
fundamento de nossa segurança e nossa confiança na história: fé em sua
providência e em seu amor. Sabemos que sua mão todo-poderosa e misericordiosa
sustenta, invisível porém presente, o desenvolvimento do tempo desde o primeiro
dia da criação”.
"Mesmo
quando o mal irrompe e parece tirar tudo, quando catástrofes cósmicas nos
arrastam como uma pena, sabemos que não podemos nos desesperar: porque Deus
amou tanto o mundo, que ele lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo o que
creia nele não pereça (Jo 3, 16)”[2].
Por fim, e
encerro aqui minhas digressões, respondo dizendo como S. Josemaria Escrivá, que
as “crises mundiais são crises de santos”, ou seja: depende de nós cristãos
darmos o nosso testemunho de coragem, misericórdia e caridade perante um mundo
que ao menor sinal de instabilidade segue o “mal humor dos mercados financeiros”,
sucedâneos modernos da “PAX ROMANA” que, assim como sua similar do sécs. IV e V,
quando acabou seus contemporâneos não conseguiam ver nada além de um túnel escuro
e o fim dos tempos.
Se a percepção
de que o mundo vai mal contamina a todos, fiéis e infiéis, isso somente prova
que a fé da maioria se esfriou, daí a “crise na santidade”. Como cristãos temos
que provar que, assim como S. Agostinho na sua Cidade de Deus, o fim do mundo
decrépito e desabando de podridão moral e espiritual – o nosso mundo, nunca é
demais lembrar! - é apenas mais uma etapa em uma história maior, a da ação de
Deus no tempo e no espaço, a que chamamos de História da Igreja Católica,
e que somente vai se encerrar na parusia, a segunda vinda de Cristo à
terra.
Assim seja!
Tenham todos uma
ótima semana!
[1] SANTO AGOSTINHO
DE HIPONA. A cidade de Deus: contra
os pagãos. Livro I, cap. 8. Petrópolis: Vozes, 2016, p. 47-49.
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