terça-feira, 9 de junho de 2020

REFLETINDO SOBRE “MULHERZINHAS” - II


Como eu havia dito no dia 01/06/2020, nos próximos dias tratarei do livro de Alcott Mulherzinhas. Faço isso porque, como já havia dito na postagem anterior, o romance na sua aparente monotonia nos coloca questões candentes sobre o comportamento e a vida familiar. Hoje o ponto em destaque é a convivência entre irmãs e a vida em família.
No momento exato em que escrevo a convivência familiar é posta sob uma dura prova. O isolamento social testa até o limite a capacidade de convivermos com pessoas diversas e próximas em ambientes limitados, somada a uma crise social, econômica, psíquica e espiritual. E aí, inevitavelmente, as brigas ocorrem.
É assim até nas melhores famílias.
No universo de Mulherzinhas ocorre algo parecido entre as irmãs Amy e Jo. Jo gosta de escrever e prepara um livro de contos e prosa para mostrar ao pai ausente na guerra, mas ela se desentende com a irmã mais nova e a menina, de raiva, queima o precioso livro. Uma discussão ocorre, como não poderia deixar de ser, e as duas irmãs prometem nunca mais se falar na vida. No dia seguinte Amy e Jo saem para patinar no lago congelado, cada uma seguindo por uma direção diferente. Jo percebe que o gelo no meio do lago está fino e perigoso, mas ainda aborrecida pela perda do precioso livro, não avisa a irmã que cai na àgua congelante, e, se não fosse a ação imediata do vizinho ela teria morrido. Após o resgate e os primeiros socorros a Amy, Jo demonstra remorso pela briga do dia anterior. É nesse momento que a mãe se aproxima dela para conversar:

Quando Amy estava dormindo confortada e a casa de aquietara, a sra. March, sentada à beira do leito, chamou Jo para junto de si, pensando-lhe as mãos feridas.
_Tem certeza que ela está salva? – sussurrou Jo, fitando cheia de remorso a loura cabecinha que podia ter desaparecido de sua vista para sempre, sob o gelo traiçoeiro.
_Completamente fora de perigo, minha filha; não se feriu e nem sequer se resfriou, creio eu; foi bom vocês terem tido o cuidado de embrulhá-la e traze-la imediatamente para casa – disse-lhe a mãe ternamente.
_Foi Laurie [o vizinho] quem fez tudo; o que fiz foi deixa-la ir para o meio do rio; eu somente auxiliei. Se ela morresse, mamãe, a culpa seria minha; - e Jo atirou-se à cama, derramando lágrimas de arrependimento, contando tudo o que acontecera, recriminando-se pela dureza de seu coração e chorando de ventura por lhe ter sido poupado o terrível castigo que poderia ter recebido. – Foi o meu maldito gênio! Procuro modificá-lo, mas quando penso que o dominei, ele irrompe ainda pior. Oh, mamãe, que devo fazer? Exclamava a chorar, a pobre e desesperada Jo.
_Vele e ore, minha filha; não se canse nunca de o tentar, nem julgue nunca impossível reparar sua falta – disse a sra. March, achegando-a de seu ombro e beijando-lhe a face úmida com tanta ternura que Jo prorrompeu num choro mais convulsivo ainda.

A seguir Jo pergunta a mãe qual o segredo para ela manter-se serena diante das crises familiares, e a resposta da sra. March é surpreendente (pelo menos para mim):

_Minha boa mãe ajudava-me...
_como a senhora faz, interrompeu Jo com um beijo de gratidão.
_Eu, porém, perdi-a quando era muito mais nova que você, e durante muitos anos tive de lutar sozinha, porque era bastante orgulhosa para confessar minha fraqueza a alguém. Foi uma luta, Jo, e derramei muitas lágrimas amargas pelos meus defeitos pois, a despeito de meus esforços, parecia que jamais os venceria. Apareceu então seu pai e eu senti-me tão feliz que achei facílimo tornar-me boa. Logo, porém, que, em nossa pobreza, me vi cercada de quatro criancinhas, novamente começaram os ímpetos antigos, porque não sou paciente por natureza e era para mim um sofrimento ver minhas filhas passarem necessidades.
_Pobre mamãezinha! E quem a auxiliou, então?
_Seu pai, Jo. Jamais perdeu a paciência, nunca teve dúvidas nem queixas – sempre esperanças e esforços e tão alegre sempre, que sentiria vexame quem procedesse de outra maneira diante dele. Auxiliava-me, confortava-me, mostrando-me que eu devia praticar todas as virtudes que eu desejava que minhas filhas possuíssem, pois seria o exemplo para elas. Foi mais fácil esforçar-me por amor de vocês que por mim mesma (...)[1].

Um homem muito mais sábio do que eu já havia dito: “A alegria tem raízes em forma de cruz” (s. Josemaría Escrivá). A Sra. March aprendeu a duras penas que sem sacrifício não conseguiria vencer-se e conseguir criar as filhas. O resultado final foi ótimo: quatro filhas ajuizadas, mas a custo de sacrifícios e esquecimento próprio. Arranca rabos são inevitáveis, mas o que podemos fazer é procurar controlar os nervos, pedir auxílios a quem tem critério, e se possível orar a Deus pedindo luzes e paciência, porque se dependesse da nossa parte, nada feito!
Alguém poderia dizer que a Sra. March deveria ter “largado mão” e saído para curtir a vida loka. De fato, mas será que qualquer um de nós seria o que é hoje sem o auxílio silencioso e amoroso dos pais ou de algum outro responsável que estava de olho para que não nos faltasse nada? A verdade é que nenhum de nós seria o que é hoje sem alguém que assumisse responsabilidades ou dirigisse alguma instituição que desse apoio a quem pudesse cuidar de nós.

E termino por aqui.


[1] ALCOTT, Louise May. Mulherzinhas. 5ª edição revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, pp. 84-86.

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