Um dos pontos
mais tensos do catolicismo contemporâneo refere-se ao ecumenismo e diálogo
inter-religiosos. No espaço de apenas duas gerações (cinquenta e cinco anos
desde o encerramento do Concílio Vaticano II - 1962-1965) transitamos de
uma Igreja Católica “fortaleza sitiada pelo mundo moderno” e fechada ao diálogo
com crentes e não crentes, para uma Igreja que aparentemente deixou de lado o
apostolado e a preocupação em converter e conquistar almas para Cristo passando
a aceitar tudo que o mundo tem a oferecer, mesmo que o que o mundo ofereça não
coincida com os ensinamentos de Jesus.
Essa dialética
da continuidade vs ruptura permeia os estudos sobre o último concílio
ecumênico da Igreja Católica[1],
e na minha modesta opinião nos joga para o fundo de um beco sem saída já que
aqui não poderíamos nos “isentar” desse debate: ou se entende o Vaticano II como
ruptura com a Tradição da Igreja Católica, inserindo o pensamento moderno secular
e irreligioso dentro da Igreja – a “entrada da fumaça de Satanás pelas
rachaduras da Igreja” (Papa São Paulo VI):
“Tem-se
a sensação de que a fumaça de Satanás entrou dentro do templo de Deus por
alguma fissura. Encontramos dúvidas, incertezas, problemáticas, inquietações,
insatisfações e conflitos. Já não se confia na Igreja. (...) A dúvida entrou
nas nossas consciências e entrou pelas janelas que deviam estar abertas à que,
depois do Concílio [Vaticano II], viria um dia de sol para a história da
Igreja, mas veio um dia de nuvens, de tempestade, de busca, de incerteza”[2].
Ou então, entendemos
o Vaticano II como continuidade na História da Igreja e seus 20 concílios
ecumênicos, ponto de vista defendido entre outros pelos papas dos últimos 40
anos. O debate continua, com acusações de ambos os lados.
De qualquer
modo, parece que esquecemos nesses 55 anos que o primordial do católico é fazer
apostolado, atrair novos prosélitos a Igreja de Jesus Cristo. Essa é a origem
da palavra proselitismo: fazer prosélitos, novos iniciados na doutrina cristã.
Quando professamos nosso batismo dizemos a seguinte frase do Credo
Niceno-constantinopolitano: “creio na Igreja una, santa, católica e
apostólica”.
Fazer apostolado
é e deve ser a marca do cristão. Mas o apostolado não deve ser uma atividade
bitolada e chata, como a que exercem certos cristãos irmãos de outras
denominações tocando as campainhas de nossas casas nas manhãs de domingo. Para
São Josemaría Escrivá o apostolado deve se realizar em ambiente de: “confidência
e amizade”, um a um, cara a cara, com a maior naturalidade possível, sempre
respeitando a sensibilidade e a formação psicológica e intelectual do amigo.
No nosso romance
Mulherzinhas há um belo exemplo de uma católica que, sem respeitos humanos mas
cheia de delicadeza ensina a evangélica Amy o que é o rosário, a imemorial
devoção à Nossa Senhora onde o católico reza Aves-Marias intercaladas por
Pai-Nossos, meditando os mistérios da Encarnação, Vida Pública, Paixão e
Morte de Jesus.
Amy parou na
casa da “tia March” após a doença de sua irmã Beth. Lá, entre os diversos
afazeres domésticos que ela teve que assumir para agradar a tia, um belo dia
ela vê dependurado num espelho algo que nunca havia visto: um colar de contas
de madeira. Nesse momento a empregada da tia, católica francesa, aparece e as
duas começam a conversar sobre o estranho colar:
_Se fosse
para escolher, qual preferia, Mademoiselle? – perguntou Ester, que sempre
estava junto dela para guardar as coisas preciosas, depois de haverem sido
vistas.
_Penso que
preferiria esta espécie de colar – respondeu Amy, contemplando com grande
admiração um cordão de ouro, de contas de ébano, do qual pendia pesada cruz
daquele metal.
_Quanto a
mim, desejaria o mesmo, não, porém, para usar como colar; para mim isto é um
rosário e usá-lo-ia como boa católica – disse Ester olhando invejosamente para
o lindo enfeite.
_Devem-se
utilizar do mesmo modo aquelas contas de madeira perfumada que vi penduradas em
seu espelho? – perguntou Amy.
_Sim,
perfeitamente, são para se rezar. É muito agradável aos santos que alguém use
um rosário tão lindo como este, em vez de algum outro sem valor.
_Parece que
suas orações confortam muito, Ester, pois anda sempre calma e satisfeita.
Desejaria ser assim.
_Se
Mademoiselle fosse católica, encontraria o verdadeiro conforto espiritual; como
isto, porém não se dá, seria bom que reservasse parte do dia para meditar e
orar, como fazia a boa senhora que eu servia antes de Madame [tia March].
Possuía uma pequena capela e nesse lugar achava consolo para muitas dores.
_Seria bom
para mim proceder assim também? – perguntou Amy que na sua solidão sentia a
falta de um auxílio qualquer e achava que iria esquecer o seu livrinho agora
que Beth não estava perto para trazê-lo à sua lembrança.
_Seria
excelente e encantador; e eu de boa vontade lhe prepararei para esse fim, se
quiser, o pequeno quarto de vestir. Nada diga a Madame, mas quando ela
adormecer vá para lá e sente-se sozinha um instante a tomar boas resoluções e a
pedir a Deus que salve sua irmãzinha [Beth, que nesse momento estava doente de
escarlatina][3].
O resultado da
conversa com a empregada não se fez esperar. Amy passa a rezar mais, pelas
intenções de sua família:
A menina
fazia tudo isso com sinceridade porque, só e ausente do seu lar, sentia a
necessidade de uma bondosa mão que a guiasse com segurança e por isso
voltara-se instintivamente para o Amigo [Deus] forte e carinhoso, cujo amor paternal
envolvia suavemente sua filhinha adorada. Sentiu a falta da mãe [sra. March] para
guia-la e compreendê-la; tendo, porém, aprendido para quem devia recorrer,
diligenciava encontrar o bom caminho para segui-lo confiante[4].
Mais adiante Amy
aparece pedindo a intercessão de Maria de Nazaré para toda a sua família.
Como podemos
ver, uma conversa simples e despretensiosa pode levar uma amiga, parente,
conhecido, colega de trabalho a se aproximar um pouco mais de Deus. Não devemos
nos acovardar e dizer que isso de evangelizar não é com a gente, que não temos
tempo, não levamos jeito pra coisa... etc. São Josemaría nos dizia que nem
todos podem ser sábios, mas todos podem ser santos, apóstolos de Apóstolos.
Nas palavras do vigário regional do Opus Dei no Brasil:
“A
maioria de nós não se imagina sobre um palco contando como passamos a ser mais generosos
com o nosso tempo após termos crescido em intimidade com Cristo, ou como a
descoberta da importância de ganhar virtudes mudou o nosso comportamento. No
entanto, são justamente esses pequenos testemunhos do dia a dia que tocam os
corações, quando feitos com sinceridade, num clima de abertura e confiança”[5].
[1] A bibliografia produzida nos
últimos 55 anos sobre o Vaticano II é vastíssima, e mesmo um artigo não seria
capaz de abordar minimamente bem os autores, as linhas interpretativas e as
pesquisas sobre o maior evento da Igreja Católica no séc. XX. Aqui deixo
indicadas duas obras que resumem minimamente as visões sobre o evento
conciliar: BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil no Concílio
Vaticano II:
1959-1965. São Paulo, Paulinas: 2005; MATTEI, Roberto de. O Concílio
Vaticano II: uma história nunca escrita. São Paulo: Ambientes e Costumes, 2013.
[2] Paulo VI. Homilia no IX
aniversário da coroação, 29 de junho de 1972. Apud: MATTEI, Roberto de. O Concílio Vaticano II: uma história
nunca escrita. São Paulo: Ambientes e Costumes, 2013, p. 471-472
[3] ALCOTT, Louise May. Mulherzinhas.
5ª edição revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 200-201.
[4] ALCOTT, Louise May. Mulherzinhas.
5ª edição revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 202.
[5] CARVALHEIRO, Fábio Henrique. Pescadores
de homens: o apostolado cristão para quem vive no meio do mundo. São Paulo:
Quadrante, 2020, p. 56.
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