domingo, 14 de junho de 2020

REFLETINDO SOBRE “MULHERZINHAS” – III


No post anterior tratei da convivência no lar e seus desafios. Para hoje selecionei outra passagem onde o tema é o matrimonio e a escolha do par.
Não nos enganemos: no universo de Mulherzinhas as moçoilas sonham em casar e ter filhos. Sim... muito opressor para nossos ouvidos acostumados com a realização individual e material, pensando que: “a mulher tem tanta necessidade de homem quanto de um peixe!”. No mundo de Mulherzinhas você abre mão de coisas boas em si na busca de um bem maior, seja o bem estar dos filhos, o controle do próprio temperamento, entre outras coisas.
Mas Alcott coloca na boca da sra. March uma série de alertas para as molecas que andavam a pairar no ar sonhando com o “príncipe encantado”. É um banho de realismo:

_Quero que minhas filhas sejam belas, bem educadas e boas; que sejam admiradas, amadas e respeitadas; que tenham uma mocidade feliz, façam um bom casamento e tenham uma vida útil e venturosa, tendo apenas os cuidados e tristezas que Deus for servido dispensar-lhes. Ser escolhida e amada por um homem digno é a coisa melhor e mais suave que possa desejar uma mulher; e eu tenho sincera esperança de que minhas filhas hão de conhecer este prazer. É muito natural pensar nele, Meg; muito conveniente aguardá-lo e muito prudente prepara-lo; assim, quando chegar esse tempo feliz, você poderá sentir-se, apta para cumprir os seus deveres e pronta para a felicidade. Minhas filhas queridas, eu tenho ambições; não, porém, de fazer de vocês um joguete do mundo, casando-as com homens ricos meramente porque são ricos, para terem palácios esplendidos que não são lares, porque lhes faltará o amor. O dinheiro é coisa necessária e preciosa – e, quando bem empregado, um metal nobre – porém jamais desejo que o julguem o primeiro ou o único bem a procurar. Prefiro vê-las esposas de homens pobres, mas felizes, amadas, satisfeitas, a vê-las em tronos de rainhas mas degradadas a seus próprios olhos e sem paz de espírito.
_Belle diz que as moças pobres não acham casamento se não se esforçarem para isso – disse Meg suspirando.
_Então ficaremos todas solteironas – replicou Jo com firmeza.
_Justamente, Jo; é preferível ser uma solteirona velha e feliz a uma esposa desgraçada ou moça desenvolta à caça de um marido – afirmou a sra. March. Não se aborreça, Meg; a pobreza raras vezes afugenta ao homem que ama com sinceridade. Algumas das mulheres mais felizes e mais honradas que conheço foram moças pobres, porém tão dignas de ser amadas que não ficaram solteironas. Deixem estas coisas para o tempo oportuno[1].

Josemaría Escrivá que nos ensinava que: “Sonhai e ficareis aquém”. O idealismo sempre fica abaixo da realidade porque não tem raízes concretas. A vida a dois é feita de um sem número de pequenas coisas aparentemente desprezíveis: deixar tudo limpo e asseado, organizado e digno; ser lento ao julgar e mais lento ainda em repreender, mas quando for preciso dar a repreensão faça-o sem demora, porém com caridade e paciência; procurar fazer sempre boa cara porque: “um santo triste é um triste santo” (s. Josemaría Escrivá).

Em outro momento memorável do livro as irmãs declaram que estavam cansadas das tarefas cotidianas de costurar, cozinhar, limpar, organizar a casa e estudar. Aí a mãe, com uma sabedoria verdadeiramente salomônica decide fazer “uma experiencia”: por uma semana deixar a casa ao ritmo que as filhas queriam dando espaço para as coisas favoritas delas. Os resultados não demoraram a aparecer:

_Sim; queira que vocês compreendessem que o conforto depende do fiel cumprimento do dever de cada qual. Enquanto Hannah [a governanta] e eu trabalhamos para vocês, acham-se muito bem, embora eu não julgue que sejam muito felizes; eu pensava, pois, que era preciso uma liçãozinha para demonstrar-lhes o que acontece quando a gente pensa egoisticamente em si só. Não sentiram que é mais agradável auxiliarem-se umas às outras, ter ocupações diárias, que tornam os lazeres mais suaves quando chega sua hora, suportar com paciência os trabalhos, e que assim a casa se pode tornar mais agradável e alegre para todas nós?
_Sim, mamãe, tem razão – exclamaram as irmãs.
_Então permitam que as aconselhe a retomar de novo seus ‘fardos’; conquanto pareçam às vezes pesados, são bons para todos, tornando-se leves quando os aprendemos a carregar. O trabalho é agradável e prodigaliza abundância para todos; resguarda-nos do aborrecimento e dos males; é útil para a saúde e para o espírito, dá-nos o sentimento do poder e da independência, muito melhor que o dinheiro ou o luxo[2].

Para Alcott o trabalho tem valor porque dignifica o homem, embora tenha um valor predominantemente ascético, de mortificação corporal. O trabalho enrijece o caráter, o torna mais ordeiro e responsável com o uso dos bens materiais.
Já o catolicismo não vê as coisas assim. Durante uma tertúlia perguntaram a S. Josemaría Escrivá se, além do trabalho que outra mortificação se devia viver para crescer na vida cristã. E o “Nosso Padre” (como nós o chamamos carinhosamente no Opus Dei) de imediato disse que não, que o trabalho dignifica o homem porque é o meio para ele atingir sua perfeição espiritual, é oração e meio de santificação pessoal, dos seus colegas de trabalho, e também para conseguir prestígio profissional. A consequência dessa maior laboriosidade é a melhora na eficácia apostólica: o bom exemplo na vida atrai almas para Cristo.
A vida cotidiana tem um valor imenso para Deus e para o bem de todos seja cuidando dos filhos, trabalhando no computador, cimentando tijolos, varrendo ruas ou pilotando um carro de corridas. “A grandeza da vida corrente” era o título de uma das mais conhecidas homilias de s. Josemaría Escrivá, Fundador do Opus Dei, e a sua maneira norma de conduta de Alcott.
A felicidade não se constrói com castelos no ar, mas com pessoas reais de carne e osso com boas disposições de caráter que colocavam no momento certo as mãos na massa.


[1] ALCOTT, Louise May. Mulherzinhas. 5ª edição revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 105.
[2] ALCOTT, Louise May. Mulherzinhas. 5ª edição revista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 125.

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