À distância de 16 anos, escrevi:
25 de janeiro de 1959, João XXIII anunciou
a intenção de convocar um Concílio Ecumênico para toda a Igreja Católica Romana.
O concílio marcou a entrada oficial da Igreja Católica no movimento ecumênico com
a criação do Secretariado para a Unidade dos Cristãos.
Giuseppe Alberigo, um dos maiores
especialistas do mundo sobre o Concílio Vaticano II nos lembra que:
Longe de ser um simples
pronunciamento de circunstância, Roncalli aproveita a ocasião e afirma a exigência
de buscar acima de tudo aquilo que une, sustentando que as Igrejas
independentes ortodoxas, do mesmo modo que a Igreja católica, conservaram como
um tesouro os dogmas da fé”[1].
O ecumenismo não foi o objetivo principal do Vaticano II, não era tema central na mente do papa João XXIII, pois somente posteriormente foi criado um secretariado exclusivamente dedicado ao tema, o Secretariado pela Unidade dos Cristãos, depois elevado a Pontifício Conselho pela Unidade dos Cristãos, órgão pertencente à Cúria Romana.
Ainda hoje muito se debate sobre o
porque o papa quase octogenário – ele tinha 77 anos em 1958 quando eleito, um papa
de transição como gostam de rotular os vaticanistas, os autointitulados especialistas
nas coisas do Vaticano – convocou um concílio, em um aparente momento de calma
e quietude dentro da Igreja Católica após o longo pontificado de Pio XII (1939-1958).
Meses depois do anúncio, João XXIII
disse que a inspiração lhe veio como uma inesperada primavera. Belas palavras
poéticas que deixam os historiadores desesperados!
Em um documento da época, o então frei
Boaventura Kloppenburg, ele mesmo participante da preparação e celebração do
Vaticano II, nos revelou que na fase ante-preparatória o tema ecumenismo já
constava dos pedidos originais a serem debatidos pelos padres conciliares:
Os índices analíticos. - Essa ampla
e gigantesca documentação, formada pelas cartas dos Bispos e Superiores Gerais,
em um ano de intenso e diligente trabalho realizado na Secretaria da Comissão
Ante preparatória, foi cuidadosamente estudada, coordenada e reduzida, na
medida do possível, à forma esquemática e sumária, em curtas frases em latim,
exprimindo cada qual uma sugestão ou um desejo de um ou mais Bispos ou
Superiores Gerais, citados em nota mediante a indicação da sede da família
religiosa. Trata-se de 8972 proposições reunidas em dois tomos com o subtítulo:
Analyticus conspectus consiliorum et votorum quae ab Episcopis et Praelatis
data sunt. Abarcam toda a matéria doutrinal e disciplinar da Igreja. O
primeiro tomo, de VIII+806 pp., consta de 4232 proposições concernentes às
questões doutrinais, normas gerais de Direito Canônico, disciplina do clero,
Seminários e Leigos. O segundo tomo, 743 pp., contém 4740 proposições relativas
aos Sacramentos, lugares sagrados, preceitos eclesiásticos, culto divino,
magistério eclesiástico, benefícios e bens temporais da Igreja, processos,
delitos e penas, Missões, Ecumenismo e obras caritativas e
sociais da Igreja[2].
Essa mudança de orientação do catolicismo, que agora partia em busca de unidade e não de conflito, ainda hoje é tema de debate. Seria pura e simplesmente a prova da tão falada infiltração modernista e cripto-comunista dentro da Igreja? Teria se iniciado o sede-vacantismo, a série de papas indignos do pálio episcopal de bispo romano e consequentemente do trono papal, que segundo os mais radicais tradicionalistas (radtrad) são a prova de que todos os papas que celebraram e aceitaram o Vaticano II seriam indignos, mesmo tendo sido de comprovada santidade e amor à Igreja: João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco?
Na verdade foi o fruto de um paciente
trabalho de muitos pioneiros católicos no ecumenismo, que desde a virada do
séc. XIX para o XX criaram pontes de diálogo com o mundo não católico e mesmo não
cristão e não crente. Aqui poderíamos citar todos aqueles que se esforçaram em apresentar
o catolicismo livre de preconceitos e cacoetes, homens como Chesterton, Belloc,
Christopher Dawson; e mesmo entusiastas tardios como Daniel-Rops – que dedicou
todo o décimo volume de sua monumental História da Igreja a inventariar
a história do ecumenismo, Joseph Lortz – que também dedicou metade do segundo
volume da sua História de la Iglesia ao mesmo tema, ecumenismo.
Na próxima postagem vamos estudar o documento oficial de entrada da Igreja Católica no ecumenismo: decreto Unitatis redintegratio.
Até lá!
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